Apesar de terem sido presos em período eleitoral (30 de setembro de 2008), três policiais militares acusados de tortura e denunciação caluniosa contra dois adolescentes, além de violação de domicílio à noite, devem continuar presos. No entendimento do relator, desembargador Manoel Ornellas de Almeida, o artigo 236 do Código Eleitoral veda a prisão de eleitores regulares no período eleitoral, mas não beneficia policiais militares que não provam tal condição e têm suas prisões preventivas decretadas por crime de tortura. O voto do relator foi seguido à unanimidade pelos demais integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (Habeas Corpus n° 139349/2008).
No pedido, os policiais impetrantes aduziram a ilegalidade das prisões preventivas, porque foram decretadas e cumpridas durante o período das eleições. Alegaram que o ato causou-lhes coação ilegal porque eles permaneceram no cárcere durante o período de eleição. A defesa dos policiais alegou que as prisões estariam revestidas de ilegalidade, uma vez que eles foram presos cinco dias antes das eleições municipais, contrariando o art. 236 do Código Eleitoral. Contudo, para o relator, a pretensão não merece prosperar, porque sendo os acusados autores de vários crimes, inclusive tortura, o Juízo singular “analisou a questão com esmero, sem generalizar a proibição preconizada no Código Eleitoral”.
Na avaliação do desembargador Manoel Ornellas de Almeida, as informações prestadas e os motivos que ensejaram as prisões preventivas são suficientes para mantê-las. O magistrado assinalou que as prisões são necessárias para garantir a ordem pública, manter a estabilidade do meio social e preservar a instrução criminal, pois caso sejam soltos os pacientes poderão interferir na prática dos atos processuais.
Consta dos autos que em 23 de agosto de 2008, dois dos três pacientes estavam de plantão no Núcleo da Polícia Militar de Rio Branco, quando receberam uma ligação telefônica, via 190, originária de um telefone público, onde um interlocutor do sexo masculino ameaçava um deles. Os agentes se dirigiram às imediações do telefone público, oportunidade em que escutaram um menor dizendo por três vezes “olha os ladrão”. Eles abordaram e detiveram o adolescente, não lhe permitindo que justificasse o que estava acontecendo. Ainda segundo os autos, a frase foi dirigida a um colega que havia pegado, por brincadeira, a bicicleta dele.
Ainda conforme os autos, dois agentes levaram a primeira vítima até a casa do outro policial, onde lhe informaram a respeito da ligação telefônica, momento em que teve início uma sessão de espancamento, visando extrair a confissão quanto à autoria do telefonema. Em seguida, conduziram a vítima até o Núcleo da Polícia Militar, onde continuaram as agressões, com ameaças, socos e chutes, que causaram lesões mentais e físicas. Durante a sessão de tortura, eles receberam nova ligação, na qual o interlocutor disse, em tom de deboche, que haviam “pegado a pessoa errada”. Em face desta ligação, identificaram um número de telefone pertencente à mãe de outro adolescente.
Em posse desta informação, eles se dirigiram até aquela residência, vizinha de um dos policiais, onde os três invadiram e ingressaram no quarto do adolescente, apreendendo-o e arrastando-o para fora sem informar à mãe dos motivos. Essa segunda vítima foi levada ao Núcleo da Polícia Militar, sendo que a mãe foi impedida de acompanhá-lo. Um dos militares passou a espancar o adolescente, mediante chutes e socos, ameaçando-o de morte para que confessasse ter sido o autor do telefonema. Embora dois dos três policiais presentes não tivessem agredido os menores, nada fizeram para impedir as agressões perpetradas pelo outro policial, inclusive presenciando o ato, que somente foi interrompido com a chegada da mãe.
Os denunciados deram origem à instauração de processo contra ambas as vítimas, imputando-lhes atos infracionais análogos aos crimes de resistência à apreensão, desacato e ameaça, mesmo sabendo que eram inocentes. Isso foi feito, conforme consta dos autos, para ocultar os crimes por eles praticados.
Acompanharam o voto do relator os desembargadores Paulo da Cunha (1° vogal) e Gérson Ferreira Paes (2° vogal).