Se o paciente interfere no curso das investigações e no curso da ação penal, influenciando as declarações da vítima de violência sexual mediante coação psicológica, resta devidamente fundamentada a manutenção da prisão na conveniência da instrução criminal. Esse é o ponto de vista da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que denegou habeas corpus, interposto em favor de um acusado, que está foragido, da suposta prática dos crimes de seqüestro, cárcere privado, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor praticados contra a ex-namorada.
No habeas corpus, a defesa alegou que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal pelo Juízo de Primeira Instância, que teria decretado a prisão preventiva injustamente, colocando o acusado na iminência de ser preso. Aduziu que o decreto de prisão se embasou no fato de que teria se evadido do distrito de culpa dois dias após a instauração do inquérito policial da prática de crimes que alegou serem infundados. Disse que ele sequer foi procurado para esclarecimentos antes de ordenada a constrição de sua liberdade pessoal. A defesa ressaltou que a própria vítima foi a um cartório local e declarou por instrumento público a inveracidade dos fatos antes narrados na delegacia de polícia e, além disso, argumentou que o acusado possui bons antecedentes, residência fixa no distrito da culpa e ocupação lícita.
Consta da denúncia que em 7 de setembro de 2008, durante a realização da feira agropecuária Exposserra, na cidade de Tangará da Serra, o acusado, enciumado ao ver a ex-namorada dançando com outras pessoas, aproveitou quando ela foi ao banheiro para segurá-la e levá-la à força até o carro, seguindo para a casa dele, vindo a xingá-la e a agredi-la com um taco de sinuca, empurrões e chutes. Ameaçando-a com um facão, ele a obrigou a praticar sexo oral, vaginal e anal. Por estar sob influência de alguma droga, conforme os autos, ele dormiu e a vítima aproveitou para fugir.
A relatora do recurso, juíza substituta de Segundo Grau Graciema Ribeiro de Caravellas, em relação à pretensão de destituir a credibilidade da palavra da vítima, afirmou que a ação mandamental não se mostra o meio adequado para examinar matéria fático-probatória respaldada na tese de negativa da autoria, quando esta não se mostra cristalina, à primeira vista. Explicou que revela-se totalmente sem influência a retratação da vítima em crimes dessa natureza, eis que a realização de audiência preliminar determinada no artigo 16, da Lei n.º 11.340/06 (Lei Maria da Penha), só poderia ocorrer nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, diferente do estupro mediante violência real. A Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal estabelece que “no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
Em seu voto, a relatora destacou o fato que Ministério Público, ao oferecer a denúncia, trouxe um termo de declarações da vítima, no qual se percebe seu completo abalo psicológico, revelando que chegou a mudar seu depoimento antes prestado na delegacia de polícia, pois estava com medo e, em outros momentos, deixando-se levar pelos argumentos de seu agressor, que se dizia arrependido. “Existem indícios de que o paciente pode influenciar o ânimo da vítima, pois claramente abalada, deixou-se induzir a ponto de mudar seu depoimento, portanto, evidente que a prisão do paciente é imprescindível para a regular coleta da prova, não se podendo ignorar, no caso, o princípio da confiança do Juiz que decretou a prisão combatida, ante a sua proximidade com os fatos e os envolvidos no delito”, finalizou.
A decisão foi unânime e em conformidade com o parecer do Ministério Público. Participaram do julgamento a desembargadora Shelma Lombardi de Kato (1ª vogal) e o desembargador Rui Ramos Ribeiro (2º vogal).