A Justiça Federal determinou, ontem, a imediata suspensão do processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica Paiaguá, projetada para funcionar no Rio Sangue, entre os municípios de Nova Maringá e Campo Novo dos Parecis. A decisão atende a um pedido liminar feito pelo Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso, em uma ação contra a empresa Global Energia Elétrica S/A e o Ibama para anular a licença prévia para a construção da usina, expedida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema).
Na ação proposta pelo MPF, em julho, os procuradores da República Felipe Almeida Bogado Leite, Manoel Antônio Gonçalves da Silva e Talita de Oliveira sustentam que houve irregularidades na licença prévia para a construção da UHE Paiaguá.
Em primeiro lugar, explicam os autores, o processo de licenciamento deveria ter sido conduzido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) devido à proximidade do empreendimento a terras indígenas. Em segundo lugar, a empresa Globa Energia Elétrica S/A deixou de realizar consulta aos povos das terras indígenas Manoki, Ponte de Pedra, Erikpatsá e Japuira, potencialmente afetados com a construção da UHE Paiaguá.
Outro problema também apontado pelo MPF na ação foi a falta do estudo que mede os impactos do empreendimento na vida das populações indígenas, chamado de Estudo de Componente Indígena (ECI), elemento que deveria integrar obrigatoriamente o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima) que embasou a licença prévia expedida pela Sema.
Na decisão desta segunda-feira o juiz substituto da 1ª Vara da Justiça Federal, Ilan Presser, acolheu os argumentos do MPF e afirmou que não é atribuição da Sema realizar o licenciamento da UHE Paiaguá. "Confere à União competência para a promoção das ações administrativas voltadas a definição dos espaços a serem protegidos e legitimidade para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades localizados e desenvolvidos em terras indígenas, apresenta-se coerente reconhecer, em juízo de cognição sumária, que o Ibama é inexoravalmente o órgão ambiental legitimado para dar consecução aos atos de autorização da construção da Usina Hidrelétrica Paiaguá", afirmou o juiz.
Ainda de acordo com o magistrado, o Estudo e o Relatório do Impacto Ambiental realizados pela empresa Global Energia Elétrica S/A não cumpriram o seu papel, pois não dimensionaram toda a abrangência dos impactos que o empreendimento causará à região e, especialmente, aos povos indígenas envolvidos. "Da análise do EIA/RIMA apresentado perante o órgão ambiental estadual, verifica-se que o estudo sequer conseguiu dar consecução aos fins e objetivos propostos no respectivo termo de-referência. Do mesmo modo, não dimensionou os possíveis efeitos cumulativos e/ou sinérgicos que o empreendimento poderá gerar não só aos indígenas, mas também às demais comunidades afetadas (stakeholders). Logo, possível reconhecer que o processo de licenciamento conduzido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente fez tabula, rasa de requisitos essenciais ao ato, máxime a obrigatória apresentação do Estudo de Componente Indígena", criticou o juiz.
Para o juiz, mesmo que a Sema seja declarada futuramente órgão competente para expedição da licença da UHE Paiaguá, as outras irregularidades do licenciamento apontadas pelo MPF são suficientes para suspender imediatamente o processo de licenciamento da usina. "(…) A ausência da elaboração de um adequado e satisfatório Estudo de Componente Indígena que tem o condão de ser pressuposto lógico para o procedimento administrativo de licenciamentos ambientais, impõe o deferimento da tutela de urgência pleiteada, para o efeito de suspender a licença prévia".
Ao final da decisão, Ilan Presser ressaltou, ainda, a importância da interferência judicial neste momento, possibilitando que seja evitado, além de prejuízos aos cofres públicos, danos irreparáveis aos povos indígenas. "Seria temerário, autorizar o prosseguimento das obras de implantação da UHE Paiaguá, já que o seu licenciamento não obedeceu às normas legais pertinentes, com vilipêndio ao princípio da segurança jurídica. Ou ainda, diante de fatos consumados gerar futuras compensações meramente patrimoniais aos povos indígenas, diante da irreversibilidade da construção do empreendimento. Estas eventuais indenizações, além de onerar o erário, a depender do estado em que a obra chegar, sequer teriam o condão de gerar uma reparação específica aos interesses dos povos afetados, de molde que podem vir a gerar dano irreparável".