A simples aquisição de uma garrafa de cerveja contendo objeto estranho no seu interior, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não revela sofrimento capaz de ensejar indenização por danos morais. Com esse entendimento, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, à unanimidade, negou provimento ao recurso interposto por um comerciante em face da Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) e manteve a improcedência do pedido de indenização.
Conforme informações contidas na peça inicial, o comerciante alegou ter encontrado um pacote de preservativo masculino no interior da garrafa que seria servida a um cliente. Segundo ele, tal acontecimento chegou ao conhecimento da imprensa e, em razão disso, passou a ser alvo de brincadeiras e ‘chacotas’ em seu bar. Ele disse que se dirigiu até a empresa a fim de resolver amigavelmente o problema, mas foi tratado com desprezo pelo supervisor. Afirmou que em razão do acontecido e da repercussão negativa da notícia, foi obrigado a fechar o estabelecimento, pois sua clientela diminuiu consideravelmente. Em recurso junto ao Tribunal de Justiça pediu, entre outros, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso.
Segundo a relatora do recurso, juíza substituta de 2º grau Clarice Claudino da Silva, sendo o produto (cerveja) adquirido pelo apelante como insumo à sua atividade comercial, cujos custos são repassados para seus clientes, que são os verdadeiros destinatários finais, não há como considerar que a relação entre a Ambev e o dono do bar seja de consumo; “consequentemente, excluída está a responsabilidade objetiva, tornando-se necessária a prova da culpa ou dolo”, explicou.
Segundo o perito que analisou o caso, embora não tenha sido descartada a possibilidade de sabotagem no processo de fabricação e engarrafamento da cerveja, existe um equipamento denominado ‘abre e fecha’, que é eficiente para realizar a abertura e também o fechamento da garrafa, mantendo a integridade das rolhas metálicas.
O mesmo perito constatou que a garrafa de cerveja encontrada com uma embalagem de preservativo apresentou concentração de CO2 (dióxido de carbono, usado em bebidas para dar ‘efervecência’) menor que a especificada pela fabricante. Isso sugere que tenha sido aberta posteriormente a sua saída da fábrica. “(…) não foi descartada pelo expert ‘a possibilidade de que alguém tenha realizado a abertura da garrafa utilizando-se do equipamento Abre & Fecha para introduzir na garrafa a embalagem encontrada, com a intenção deliberada de conseguir vantagens’. (…) Com a ausência de prova da conduta dolosa ou culposa da apelada, impossível atribuir a ela o dever de indenizar o apelante”, salientou a magistrada.
Ela disse que mesmo considerando incontestados os fatos relativos à existência de um corpo estranho na garrafa, e mesmo considerando como incontroversas as brincadeiras e chacotas de que o apelante se diz ter sido vítima, tais fatos não se mostram suficientes para gerar o dever de indenizar ou para provocar dano moral, até porque a garrafa nem chegou a ser aberta e a bebida não foi consumida.
Participaram do julgamento os desembargadores Antônio Bitar Filho (revisor) e Donato Fortunato Ojeda (vogal).