Um clima de instabilidade paira sobre a região Noroeste de Mato Grosso, onde a ausência de infra-estrutura do Estado permite a atuação de “grileiros” profissionais, a maioria de Rondônia. Armados e violentos, eles vêm com um único objetivo: explorar e enriquecer, sem se importar com o desmatamento da Floresta Amazônica, nem com as mortes que resultam do conflito armado. Depois do triplo homicídio que ocorreu há pouco mais de uma semana, as atenções se voltaram novamente para Colniza. Não é para menos. De janeiro a outubro, foram registradas 25 mortes violentas no município, sendo 72% – ou 18 – homicídios envolvendo conflito de terras. Se contabilizadas as três mortes do início de dezembro, já são 28 assassinatos, sendo 21 resultado dos conflitos. Mas ainda é um número subestimado.
Entre lesões corporais motivadas por brigas e ameaças somam 84 crimes registrados pela Polícia Civil, o que equivale a 8 ou 9 denúncias por mês. É bom lembrar que a maioria não chega ao conhecimento das autoridades, até pela distância. Geralmente acontece na zona rural. Nos municípios vizinhos Cotriguaçu e Juruena, houve 7 registros de assassinatos, 31 lesões corporais e 52 ameaças. Por medo de se expor e gerar retaliações, delegados, juízes e promotores preferiram não conceder entrevista. Oficialmente, a situação “está sendo resolvida” ou “estão pintando mais feio do que parece”, mas na prática é grave e está longe de acabar.
Para o comandante da Polícia Militar na cidade, major Adalberto Gonçalves, que foi o único a comentar os fatos, o clima é tenso devido a três fatores essenciais: terras, mulher (crime passional) e madeira. O mais assustador é que as pessoas encaram os assassinatos como algo natural. Outra questão preocupante: o porte ilegal de armas. “As Operações Três Fronteiras e Arco de Fogo paralisaram as atividades das madeireiras e parte do comércio, deixando todos desesperados. Uma semana depois da retirada do aparato policial, foram praticados os homicídios”.
Um morador de Colniza, que pediu sigilo sobre nome e profissão, explica que não há segurança suficiente para poder “falar”. Ainda não sofreu intimidação, mas porque adotou uma postura cuidadosa, tenta apaziguar as partes, mas jamais toma partido, nem faz comentários em favor de nenhum dos três lados: fazendeiros, posseiros (invasores) e grileiros. Até agora, não enxergou solução para o problema, que depende de atuação conjunta das esferas públicas e da população. “Não adianta querer levantar bandeira, porque amanhã posso não estar mais vivo”.
São 27.948 quilômetros quadrados de extensão, em uma região isolada, na divisa com os Estados do Amazonas e Rondônia. Os maiores conflitos surgem no Distrito de Guariba, um assentamento que nasceu há cerca de 5 anos e já reúne pelo menos 6 mil habitantes, mas fica a 170 km do centro de Colniza. Se levar em conta a região da fronteira, essa distância aumenta para 300 km. Ainda que haja uma Companhia de Polícia Militar instalada na cidade, a quantidade de policiais nesses locais mais longes é mínima. Em Guariba, ficam em média 4 PMs.
Se não há repressão e punição, a tendência é que as invasões de terra, os crimes bárbaros contra a vida e o tráfico de madeira continuem acontecendo. “Quantas vezes o juiz da comarca deixou de fazer reintegrações de posse porque não haviam policiais suficientes para a escolta. Os posseiros e grileiros estão em maior número e andam armados”.
O presidente do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), Afonso Dalberto, pontua que a situação é mais complexa do que parece, porque envolve áreas privadas, todas com títulos e registros em cartório, portanto, têm donos. Mesmo assim, pessoas chegam de Rondônia para ocupar. Algumas alegam ter comprado a posse, com acordo lavrado e documentado, mas foram enganadas. Mas como são “invisíveis”, continuam ali. Sem dinheiro para abrir estradas, acabam se aliando aos madeireiros irregulares, que fornecem essa infra-estrutura básica, em troca da devastação da floresta. “É a nossa velha mania de invadir e se instalar, isso aconteceu na época da colonização do Brasil”.
Há denúncias de que associações, uma delas estaria na Estação Ecológica Roosevelt, promovem venda de títulos de terras a partir desses moldes. São falsários institucionalizados e que não respeitam a legislação, nem o direito ambiental. Curiosamente, nessa faixa da estação, não se pode haver sequer o fluxo de pessoas que não seja para fins de pesquisa. Falta fiscalização principalmente para combater a chegada dos “grileiros”, que adotam atitude criminosa. Consiste em um grupo de pessoas que invade e extorque os “possuidores” da invasão a partir do uso de violência, como explica o delegado regional de Juína, Alexandre Franco.
Tentam fazer a lei do mais forte, em geral, são “laranjas” que matam e aterrorizam em nome de um determinado poder econômico. Depois de tomar as terras, para exploração da madeira, eles as vendem. Como há uma baixa densidade populacional, pode-se dizer que é uma ferida aberta com “moscas sentadas”, como diz um engenheiro agrônomo que trabalha em Colniza e também pediu para não ter o nome citado. “Sei que há o direito constitucional de ir e vir, mas para esse tipo de gente, que só vem para explorar, caberia uma exceção”.
Ele explica que grileiros vêm através de linhas clandestinas de ônibus de Rondônia para Mato Grosso, na maioria das vezes, de Seringueiras (RO), para derrubar mais de mil hectares da vegetação nativa, para extrair madeira, frutos, animais silvestres e plantar pasto, onde todo ano tacam fogo, contribuindo para as queimadas na Amazônia. Um homem pode derrubar até 5 hectares em um mês. “Dez peões munidos de motosserras podem fazer um estrago nesse curto período de tempo”.
A emboscada na fazenda Bauru terminou em 3 homicídios e uma tentativa, mas poderia ter sido pior, porque faltaram no grupo outros 9 funcionários, que estavam em outro ponto da propriedade. São cerca de 80 mil hectares de terras “cobiçadas” que começam a 20 km da cidade de Colniza – a entrada fica a 47 km – que foram invadidas por pequenos agricultores. De pelo menos 500 invasores, o Intermat selecionou 100 famílias para serem assentadas. O Comitê de Acompanhamento de Conflitos Fundiários do Estado, com apoio do coronel da PM Orestes Teodoro de Oliveira, fez um acordo com os donos para que doassem 5.050 hectares para o assentamento.
Cada uma das famílias receberá um lote de 50 hectares e outros 50 serão destinados à construção de uma vila de convivência social. Desde julho deste ano,os lotes demarcados e divididos começaram a ser ocupados. Parecia estar tudo resolvido, até que aqueles que foram retirados e detinham mais de mil hectares, a maioria “laranjas”, resolveram mudar de idéia. Ao invés de questionar os fazendeiros na Justiça, voltaram a ocupar o local, gerando um clima de instabilidade e medo. “Embora haja questionamento sobre a titularidade, as terras têm donos, pode ser imoral, mas é legal”.
O diretor de polícia do Interior, Elias Daher, já encaminhou uma nova equipe, com 11 funcionários para o município, com um delegado, escrivão e policiais, para tentar resolver o mais rápido possível o caso. “Em um litígio, se não há punições, pode existir mais mortes e ameaças”.
Colniza lidera o ranking das cidades brasileiras com maior índice de assassinatos no Mapa da Violência 2008. São 106,4 por 100 mil habitantes. No Brasil a média é de 26 assassinatos a cada 100 mil pessoas, nos Estados Unidos é de 10 para cada 100 mil e no Japão a média de 2 mortes por 100 mil habitantes. Para o Afonso Dalberto, do Intermat, a solução para o problema passa pela mudança da matriz econômica dos municípios da região amazônica. Tem que haver alternativa viável ao desmatamento. “É preciso coibir as ilegalidades, mas também temos de buscar um novo modelo econômico para a região. As madeireiras, bem ou mal, geram empregos e movimentavam a economia”.
Um projeto de lei dos deputados José Riva e Dilceu Dal Bosco pretende criar o “Sistema de Unidades de Proteção Chico Mendes” que terá extensão de 2,7 milhões de hectares, justamente nessa região de conflitos. Além de preservar, a idéia é propor o manejo florestal sustentável. Vai ser o maior corredor ecológico do mundo, é o homem convivendo em harmonia com o meio ambiente.