Mato Grosso precisa ampliar em 50% a quantidade de leitos Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal para atender os casos graves de crianças que nascem prematuras, segundo dados da própria Secretaria de Estado de Saúde (SES). Atualmente, a pasta informa que são 198 leitos em todo o Estado, com o agravante que mais de 40% estão concentrados na Grande Cuiabá. Afirma ainda que são necessários mais 99. A falta de leitos, na maioria dos casos, leva à morte do recém-nascido prematuro.
Foi o que aconteceu na semana passada, em Peixoto de Azevedo.(691 km ao norte de Cuiabá). A triste história foi relatada pelo promotor de Justiça Marcélo Montovani Béato em um ofício encaminhado ao Procurador geral do Estado, Paulo Prado. No documento, o promotor faz o que chama de “desabafo”, porque quando redigia um documento pedindo ajuda do procurador para conseguir uma UTI neonatal, uma vez que já havia decisão de primeiro grau que não era cumprida, recebeu um comunicado que dizia: “não precisa mais, ele faleceu hoje de manhã”.
A mensagem foi enviada pelo pai de Hénry, que nasceu no dia 26 de março com dificuldades respiratórias e precisava urgentemente do leito de UTI neonatal, o que não existe no Hospital Regional de Peixoto de Azevedo. Depois de dois dias, Hénry não resistiu.
O promotor enfatiza que a situação é a mesma nas demais regiões do Estado. Presidente da Sociedade Matogrossense de Pediatria, Rubem Couto diz que, quase diariamente, toma conhecimento de pacientes que estão buscando uma vaga em UTI neonatal. “Conseguir um leito, muitas vezes, é como acertar na mega-sena”, compara, ao se referir a dificuldades que os médicos e a família encontram para garantir este tipo de atendimento de alta complexidade.
Por se tratar de crianças nascidas “antes do tempo” e que apresentam maior fragilidade, a necessidade de mais vagas de UTI neonatal preocupa inclusive o assessor especial da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Wagner Simplício. Segundo ele, esta é uma situação que demanda atenção especial, inclusive nos momentos em que os pacientes são encaminhados para a regulação das vagas.
O representante da secretaria explica, no entanto, que existem limitações que dificultam a ampliação do número de leitos. Uma delas é a falta de médicos neonatologistas -especializados no atendimento das crianças recém-nascidas. Segundo dados do Conselho Regional de Medicina, atualmente existem 28 profissionais com este perfil em Mato Grosso. Outro problema, conforme Simplício, é a falta de infraestrutura dos hospitais do interior para oferecer este tipo de atendimento.
Onde não existe UTI neonatal, os pacientes são regulados e levados para outras cidades, em geral, para a mais próxima. Simplício destaca que a SES dispõe de uma empresa contratada com duas UTIs aéreas para o deslocamento dos pacientes, além das ambulâncias equipadas com UTI móvel. “Como o custo para manutenção desse tipo de unidade é muito alto é inviável que muitos hospitais tenham”.
Presidente do Conselho Regional de Medicina, Maria de Fátima de Carvalho Ferreira explica que a demanda por UTI neonatal é flutuante e que há épocas em que a taxa de ocupação pode ficar abaixo de 100%. Em compensação, ela destaca que há momentos em que há superlotação e as unidades não conseguem receber novos pacientes. Lembra que a ocorrência de infecções e epidemias, como foi a do zika vírus, influenciam nessa maior procura.
Levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mostra que o país tem um deficit de 3.305 leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) específicos para o acolhimento de crianças que nasceram antes de 37 semanas e que apresentam quadros clínicos graves ou que necessitam de observação. Segundo a entidade, no Brasil nascem quase 40 prematuros por hora ou mais de 900 por dia.
O Departamento Científico de Neonatologia da SBP estima que a proporção ideal de leitos de UTI neonatal é de, no mínimo, quatro para cada grupo de mil nascidos vivos. De acordo com dados do Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), existem, atualmente, 8.766 leitos do tipo no país, públicos e privados, que correspondem a 2,9 leitos por mil nascidos vivos.
Quando existe indicação de UTI neonatal e a criança não é assistida, o risco de morte é muito alto, conforme explica o presidente da Sociedade Mato-grossense de Pediatria, Rubem Couto. A indicação mais comum, segundo ele, é nos casos de síndrome do desconforto respiratório do recém-nascido. Trata-se de insuficiência respiratória causada pela imaturidade na formação do pulmão da criança. São situações em que é necessária a ventilação mecânica para o bebê respirar. A falta de assistência médica durante o pré-natal e o parto é um dos fatores que pode levar à necessidade de UTI neonatal após o nascimento da criança, conforme a presidente do CRM, Maria de Fátima de Carvalho.
Por isso ela considera fundamental o acompanhamento médico desde o início da gestação e destaca que garantir com que esse atendimento seja feito de forma adequada deve ser uma preocupação do poder público. Assessor especial da SES, Wagner Simplício reforça a necessidade de uma boa assistência pré-natal e durante o parto. Explica que algumas complicações que levam ao nascimento prematuro podem ser evitadas com cuidados simples, como o controle da pressão arterial e da glicemia nas grávidas.
O custo médio de um leito de neonatal de alta complexidade é de R$ 1.200 por dia. Nas unidades credenciadas para receber recursos federais, a complementação é de cerca de 40% do custo total, sendo o restante custeado pelo estado.
Em Cuiabá, os leitos disponíveis estão nos Hospitais Filantrópicos Santa Casa de Misericórdia e Santa Helena, no Hospital Universitário Júlio Müller, no Hospital Geral Universitário e no Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá. Há ainda vagas nos hospitais particulares Femina, Santa Rosa e Jardim Cuiabá. Também há UTI neonatal no Pronto-Socorro de Várzea Grande, para atender a demanda da região metropolitana.
Presidente da Federação de Santas Casas de Mato Grosso, Maria Elizabeth Meurer lembra que há uma série de requisitos para habilitar as unidades de alta complexidade dos hospitais junto ao Ministério da Saúde. Atualmente, os repasses estão em dia, mas ela aponta que muitas vezes ocorrem atrasos que dificultam o recebimento de novos pacientes. “São leitos que custam caro e que ficam disponíveis apenas para o SUS e quando não há o pagamento, não temos como manter o atendimento”.