O assassinato de um adolescente na Delegacia Especializada do Adolescente de Cáceres, no último domingo, revela a precariedade das instalações destinadas a abrigar menores infratores naquele município, a despeito de três decisões judiciais proferidas na ação civil pública 44/2006. As condições insustentáveis da Delegacia Especializada do Adolescente constam de laudos técnicos do Corpo de Bombeiros e Vigilância Sanitária, anexados à ação.
As três decisões na ação civil pública, proferidas pelo juiz da Infância e Juventude daquela comarca, Luiz Otávio Sabóia Ribeiro, relatam, por seu turno, a penhorada luta empreendida pelo magistrado com vistas à reforma do prédio da Delegacia do Adolescente, de forma a evitar ocorrência de tragédias como a verificada no último domingo, que resultou na morte de um adolescente.
A primeira medida tomada pelo magistrado data de 2005, quando enviou ofícios à Superintendência do Sistema Sócio Educativo/Sejusp solicitando o início das obras. Os ofícios tinham como base laudos técnicos datados de 2004, que já condenavam a edificação.
O histórico dos pleitos oficiais e da ação civil pública demonstram as reiteradas tentativas do Judiciário em melhorar as condições impostas aos adolescentes naquela unidade. A primeira decisão proferida na ação de 1º de setembro de 2006, da qual o Estado foi citado e intimado, tendo havido, ainda, notificação das autoridades responsáveis pela manutenção da Delegacia Especializada do Adolescente. Nesta decisão, o magistrado determinou que os internos, de forma definitiva, fossem transferidos para Cuiabá. Em 29 de janeiro do ano seguinte, o Estado enviou ofício ao juízo da comarca (2303/06/GAB/SEJUSP), comunicando a transferência dos adolescentes para a antiga Cadeia Pública de Cáceres.
Conforme consta dos autos, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), informou, na ocasião, que a cadeia pública iria custodiar os adolescentes e as reeducandas adultas em alas separadas. No entanto, o auto de constatação determinado pelo magistrado revelou que, passados vários meses após a determinação judicial, as reformas na Delegacia do Adolescente sequer haviam sido iniciadas e as condições da cadeia pública – para onde os adolescentes haviam sido transferidos – eram também extremamente precárias.
Em razão desses fatos, o magistrado exarou a segunda decisão judicial na ação civil pública – a primeira havia sido proferida em caráter liminar -, na qual se reconheceu que o Estado descumpriu a decisão liminar no que tange à garantia de condições mínimas para a manutenção dos adolescentes no prédio substituto e à necessidade de reformas da Delegacia do Adolescente.
Na mesma ocasião, o magistrado determinou a aplicação de multa diária de R$ 15 mil ao Estado, em caso de descumprimento da decisão judicial. Além da aplicação de multa, foi determinada a extração de cópia integral dos autos e remessa do mesmo ao Ministério Público, para fins de apuração de crime de desobediência à decisão judicial não recorrida, havendo ainda a possibilidade de caracterização de eventual improbidade administrativa.
Em março de 2007, a multa estipulada pelo juízo já alcançava a cifra de R$ 5,3 milhões, sem que o Estado apresentasse qualquer recurso na ação, ou transferisse os adolescentes para local salubre, ou mesmo desse início às obras na Delegacia do Adolescente.
Na audiência de conciliação, ocorrida em 10 de maio de 2007, o Estado pleiteou a suspensão do processo pelo prazo de 120 dias, comprometendo-se a realizar, nesse período, a reforma necessária à adequação das instalações da Delegacia do Adolescente. A reestruturação apresentada pela Sejusp, orçada em R$ 97,40 mil, consistia na recuperação da instalação elétrica e hidráulica; construção de alas separadas para adolescentes internos de forma provisória e os internos de forma definitiva, além de ala para internos do sexo feminino; construção de muro e adequação do espaço para banho de sol, entre outros.
Passado o prazo acordado de 120 dias, auto de vistoria comprovava que as obras não haviam sido realizadas. Diante deste novo fato, o Ministério Público manifestou-se afirmando que o Estado estaria descumprindo a decisão proferida nos autos, já que retornou com os adolescentes para o antigo prédio da DEA sem que as reformas tivessem sido realizadas. Em função da última provocação do Ministério Público, o magistrado exarou nova decisão, reafirmando o teor da liminar anteriormente concedida, determinando a transferência dos menores.
Para o magistrado, a seqüência de fatos demonstra a falta de compromisso para com a Infância e Juventude. “Na realidade, a atual situação da DEA nos remete a concluir que a mesma nada mais é do que um depósito de seres humanos (adolescentes, infelizmente), aglutinados e amontoados, sem critérios objetivos de separação, sem um mínimo de dignidade. A falta de acomodações, de higiene (vasos, chuveiros, torneiras), e a atual manutenção de todos os adolescentes internados em uma única cela (embora existam adolescentes do sexo feminino internadas provisoriamente), nos lembra um calabouço medieval, ou porões de regimes autoritários, mas nunca um sistema de proteção como o previsto no ECA, e necessário para incentivar o adolescente que está internado de forma provisória afastar-se das más companhias e do mundo da criminalidade”, enfatizou o juiz Luiz Otávio Sabóia Ribeiro.
Na mesma ação, o juiz lembrou que existem ações em trâmite naquele juízo referentes a procedimentos contra adolescentes internados que haviam tentado contra a vida de outros internos, numa clara evidência de descaso para com a segurança dos mesmos, já que eles viviam em apenas um cômodo.
A sindicância que investiga as circunstâncias da morte do adolescente já concluiu que no momento do assassinato não havia carcereiro no local. O único carcereiro de plantão havia se ausentado para ir a uma reunião no sindicato.