O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) recebeu, na semana passada, a notícia da condenação da companhia francesa Areva Renewables em R$ 500 mil pela prática de irregularidades trabalhistas nos canteiros de obras das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Ilha Comprida Energia S.A. e Segredo Energia S.A., localizadas na zona rural de Sapezal. Estima-se que 2,5 mil trabalhadores tenham passado pelos locais e, de alguma forma, ficado expostos a riscos no ambiente de trabalho.
A afirmação consta no relatório de fiscalização elaborado pela Superintendência Regional de Trabalho e Emprego de Mato Grosso (SRTE-MTE) e remetido posteriormente ao MPT, que o utilizou como base para o ajuizamento da ação civil pública. O documento relaciona ilícitos trabalhistas que resultaram na lavratura de 70 autos de infração contra a empresa.
A ausência ou uso irregular de equipamentos de proteção individual (EPIs), a falta de segurança nas instalações elétricas, em máquinas e em equipamentos, o descumprimento de exigências do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e de outras normas regulamentadores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estão entre os problemas apontados pelos fiscais.
O procurador do MPT que conduz a ação, Leomar Daroncho, lembra que todos os dispositivos legais violados causam sérios danos à saúde e à integridade dos trabalhadores, uma vez que podem provocar acidentes de trabalho graves e até mesmo fatais. Quedas devido à falta de plataformas seguras, lesões graves por contato do corpo com áreas de transmissão de força ou zonas perigosas, choques elétricos e amputação de membros são, segundo Daroncho, alguns desses prejuízos.
“A segurança e a saúde do trabalhador devem ser tratadas como questões prioritárias e merecem uma atenção redobrada por parte do empregador, sobretudo pelo fato de que acidentes, em sua maioria, causam danos permanentes e irreversíveis para o trabalhador e sua família, o que tem uma relevância social enorme”, reforçou.
O procurador conta ainda que houve constatação da falta de condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho e menciona os autos de infração que apontaram sanitários em péssimas condições de higiene e em número insuficiente e canteiro de obras desorganizado. Há relatos de que trabalhadores andavam mais de 150 metros para usar o banheiro e mais de 100 metros, no plano horizontal, para conseguir água potável.
"Outras condutas praticadas podem parecer obrigações meramente formais ou omissões não prejudiciais. Contudo, devemos analisar a situação pelo aspecto da dignidade da pessoa humana, considerando que o trabalhador passava cerca de 10 horas no serviço e não possuía um local adequado para satisfazer suas necessidades básicas, levando, assim, a uma constante situação vexatória e incômoda”, salientou.
A companhia francesa atuou como responsável pela montagem eletromecânica das PCHs Ilha Comprida Energia e Segredo Energia. Ao ser fiscalizada e multada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), não recorreu da decisão e informou ter feito o recolhimento do valor de R$ 150 mil, relativo aos 70 autos de infração lavrados.
Todavia, o reconhecimento da culpa não a impediu de voltar a descumprir a legislação trabalhista. A partir de inspeção empreendida, desta vez pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), nos dois canteiros de obras das usinas, verificou-se a inobservância da jornada legalmente permitida. O procurador Leomar Daroncho, ao analisar a documentação fornecida pela empresa, constatou, por exemplo, que um dos operários chegou a trabalhar 16 horas e 30 minutos em um único dia.
"Restou demonstrada a reiterada conduta irregular da ré, com a permanência de um meio ambiente laboral degradante e perigoso, cuja culpa foi reconhecida pela empresa ré, que realizou o pagamento no valor ínfimo de R$ 150 mil reais da multa decorrente dos 70 autos de infração lavrados. Se fizermos o cálculo, a grosso modo, podemos afirmar que cada irregularidade custou à ré o valor aproximado de R$ 2,1 mil, ou seja, um valor irrisório, levando-se em conta o real risco de acidentes a que os trabalhadores efetivamente estavam submetidos”, diz o procurador.
Por esta razão, ele recebeu com entusiasmo a decisão da juíza Bruna Gusso Baggio, da Vara do Trabalho de Sapezal, de condenar a Areva ao pagamento de uma indenização de R$ 500 mil. Para Daroncho, os valores arbitrados a título de dano moral coletivo têm escopo pedagógico e devem servir para desestimular novas práticas ilícitas.
"Os autos de infração foram lavrados por conta do descumprimento de normas que a empresa sabia serem obrigatórias. E, mesmo assim, a conduta foi reincidente. Temos, desta feita, comprovado o descaso com o trabalhador e a sociedade, a falta de anseio em adequar, voluntariamente, o ambiente de trabalho e sanar as graves irregularidades que colocam os trabalhadores em uma situação de risco desnecessária, o que não condiz com disposições que regulam as relações de trabalho”, concluiu.