Uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso resultou na condenação de uma empresa frigorífica, ao pagamento de indenização de R$ 900 mil, em razão da não concessão do intervalo para recuperação térmica previsto no artigo 253 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) aos empregados da unidade de Diamantino, a 200km de Cuiabá. O grupo da empresa ocupa, hoje, o posto de maior empresa privada do Brasil, com o terceiro faturamento do país, e o de maior produtora de proteína animal do mundo.
A decisão, divulgada na última sexta-feira, é do juiz do Trabalho Júlio Cândido Nery Ferreira, da Vara do Trabalho de Diamantino, onde a ação civil pública com pedido de liminar foi protocolizada em março deste ano. A constatação de violação das normas de saúde e segurança do trabalho se deu após a análise de registros de temperatura dos ambientes de trabalho artificialmente frios realizados tanto pelo Serviço de Inspeção Federal – SIF como pela própria empresa, que resultaram na emissão de laudo pericial.
O procurador do trabalho Marco Aurélio Estraiotto Alves, subscritor da ação, conta que as condições de trabalho encontradas eram absolutamente incompatíveis com as normas de proteção à saúde dos trabalhadores. Ele critica o posicionamento refletido no tratamento dado aos empregados, que, segundo ele, revela a opção da empresa em dar mais valor ao lucro exacerbado do que à saúde e à dignidade humanas dos seus contratados. “Sem a tutela jurisdicional, não havia esperança nenhuma de que a condenada viria a respeitar o direito elementar de concessão de pausas de recuperação térmica e de fadiga a seus empregados”, afirmou.
Segundo o juiz que proferiu a sentença, os documentos são provas inequívocas dos fatos denunciados e da conduta deliberada da empresa de praticar ilícitos, já que a empresa responde na Justiça do Trabalho por inúmeras ações reclamatórias trabalhistas individuais, sem que com isso tenha se mostrado sensível à ideia de submeter-se espontaneamente ao comando legal. “Tal postura sugere que para ele é mais interessante assumir os eventuais ônus financeiros de descumprir a legislação protetiva da saúde dos trabalhadores (e pagar, em pecúnia, pela sua desobediência) do que alterar o seu modo de produção”, sublinhou o magistrado.
Além da indenização por dano moral coletivo, a empresa será multada em 100 mil reais por dia se for verificado novo descumprimento da legislação trabalhista.
De acordo com o artigo 253 da CLT, todos os trabalhadores que prestam serviços em ambientes artificialmente resfriados, com temperatura inferior a 15º C, deverão ter intervalo de 20min a cada 1h40min laborada, em ambiente diverso daquele de trabalho, com temperatura normal. Além de aliviar a sobrecarga do trabalho, as pausas propiciam menor exposição a agentes de risco, como forma de assegurar a integridade física e mental dos empregados, em atendimento à determinação constitucional de respeito ao direito fundamental de redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Muito embora a concessão das pausas térmicas seja obrigatória e sua importância notoriamente reconhecida, a realidade encontrada no frigorífico causou preocupação. Segundo o procurador do trabalho, o cotejo da situação encontrada com as queixas de dor, relacionadas à ausência de pausas para recuperação, como mostraram alguns vídeos de entrevistas com trabalhadores, não deu ao MPT alternativa senão a perseguição da tutela jurisdicional do Estado, em caráter antecipatório e final e de conteúdo inibitório e reparatório.
Na sentença proferida, o juiz Júlio Cândido Nery Ferreira ratificou as determinações liminares expedidas em 02 abril de 2012, tornando definitiva a decisão que obrigou o estabelecimento sediado em Diamantino, a conceder intervalo de 20 minutos a cada 1h40min laborada, para repouso e recuperação térmica, aos empregados expostos a ambientes com temperatura inferior a 15ºC.
Para o magistrado, não há dúvida de que o reiterado desrespeito a preceito legal de ordem pública, ainda mais quando atinente à medicina e segurança do trabalho, ocasiona prejuízo social. Para ele, este prejuízo não se adstringe aos empregados afetados. “A ausência de concessão dos intervalos para a recuperação térmica ocasiona danos à saúde, com repercussão que extrapola os lindes do indivíduo lesado, abrangendo também a sua família, a comunidade, em síntese, a sociedade como um todo”.
O processo que apura o descumprimento do artigo 253 da CLT faz parte do Programa Nacional de Atuação Coordenada no Combate às Irregularidades Trabalhistas nas Indústrias de Abate e Processamento de Carnes, cujo objetivo é verificar a adequação das condições nos locais de trabalho, em atendimento às diretrizes da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades no Meio Ambiente de Trabalho (CODEMAT) do MPT.