Nem as secas no Nordeste, nem a utilização desenfreada dos lençóis freáticos. As águas que se perdem nos encanamentos, evaporam durante as irrigações e não são tratadas depois de poluídas formam um conjunto que representa a maior ameaça ao abastecimento dos brasileiros. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), 40% da água retirada no país é desperdiçada. Os próprios números comprovam o tamanho do problema. De acordo com a ANA, são retirados dos rios e do subsolo no Brasil 840 mil litros de água a cada segundo. Ao dividir esse número pela população de 188,7 milhões de brasileiros, chega-se à conclusão de que cada habitante consumiria, em média, 384 litros por dia.
Quando se leva em conta o consumo efetivo, no entanto, o valor é bem menor. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2006, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o gasto médio diário do brasileiro cai para 185 litros. Parte da diferença (199 litros) foi utilizada na agricultura, na pecuária, na indústria, mas a maior parte, em torno de 150 litros, foi desperdiçada.
O coordenador-geral de Assessorias da ANA, Antônio Félix Domingues, afirma que as perdas de água se concentram na produção de alimentos. “Somente na irrigação, o desperdício chega a 50%”, ressalta. Ele explica que o problema é provocado porque a maior parte dos produtores rurais utiliza a pulverização aérea, no qual boa parte da água é carregada pelo vento ou evapora, em vez de recorrer ao sistema de gotejamento, que despeja gotas diretamente na raiz nas plantas.
Outra fonte de desperdício, segundo Félix, está nas cidades. Segundo ele, redes malconservadas são responsáveis por perdas de 40% na distribuição de água. “De cada cem litros que as companhias captam, somente 60, em média, chegam à casa das pessoas”, reclama. De acordo com o coordenador da ANA, o ideal seriam perdas em torno de 20%, padrão aceito internacionalmente.
Em alguns casos, salienta Félix, o problema é ainda mais grave. “Existem cidades em que o desperdício chega a 80% porque as companhias desrespeitam as normas técnicas”, diz, evitando dar nomes. Coordenador do Programa Água para a Vida da organização não-governamental WWF–Brasil, o geógrafo Samuel Barreto alerta para outro perigo, o consumo invisível de água. “A água é um importante insumo para praticamente toda a produção econômica, principalmente para a agricultura”, ressalta.
Os próprios dados da ANA confirmam que a agricultura é responsável pela maior parte do consumo de água. Dos 840 mil litros retirados dos mananciais brasileiros por segundo, 69% vão para a irrigação, contra 11% para o consumo urbano, 11% para o consumo animal, 7% utilizados pelas indústrias e 2% pela população rural.
Segundo o relatório do Pnud, são necessários 3,5 mil litros de água, em média, para produzir alimentos que forneçam um mínimo de 3 mil calorias. Isso equivale a 70 vezes a necessidade de uma família de quatro pessoas. Alguns alimentos exigem mais água que outros. De acordo com o estudo, uma tonelada de açúcar consome oito vezes mais água do que a produção de a mesma quantidade de trigo. “A produção de um simples hambúrguer consome cerca de 11 mil litros de água – mais ou menos a mesma quantidade disponível para cada 500 habitantes de bairros urbanos degradados que não possuem água canalizada em casa”, compara o texto.
Félix afirma que a agência leva em conta o “consumo virtual” da água na hora de definir as políticas para os recursos hídricos. “Desde a queda que faz girar a turbina de uma usina hidrelétrica até a utilização de um rio para a navegação, todos os tipos de uso são importantes”, observa o coordenador da ANA. “A gente tem de administrar esses usos da água, sem deixar um superar o outro.”