A frequência de assaltos nos comércios do bairro CPA 3, em Cuiabá, e a falta de eficiência da segurança pública são motivos apontados por empresários da região para aquisição de armas, mesmo que clandestinas. A medida é vista como uma forma de proteção e meio de defesa. Para o sociólogo Naldson Ramos a conduta é uma demonstração clara da falência do poder público, que tem a obrigação de proteger a população.
Sem se identificar, o comerciante Gabriel* (nome fictício) afirma que tem pelo menos 4 colegas que já se armaram. Um revólver calibre 38 ou 22 custa entre R$ 500 e R$ 800 e pode ser adquirido de traficantes da região. Gabriel conta que a maioria das pessoas não gosta de falar que está armada, por estar em situação ilegal e ter conhecimento do problema que pode ocasionar. “Aqui é fácil comprar arma”.
Estatística da Polícia Civil mostra que nos primeiros 6 meses do ano foram registrados 132 roubos na região da Morada da Serra, que compreende os bairros do CPA 1, 2, 3 e 4 e Morada da Serra. O número é 11% maior que o contabilizado no mesmo período do ano passado, 119. No CPA 3, os roubos cresceram 77,7%. De janeiro a junho de 2010 foram 18 ocorrências, contra 32 no mesmo período deste ano.
Para o presidente da Associação de Moradores do CPA 3, setores 1, 3 e 4, Elton Santos, as dados oficiais não representam a realidade, destacando que a quantidade de assaltos é muito superior. “A estatística da Polícia é furada. A maioria dos moradores e comerciantes nem registra mais boletim de ocorrência”.
Diante da realidade, Mário* afirma que existe um grupo de comerciantes que está se organizando para adquirir armas. Ele conta que foi assaltado duas vezes em 11 dias por homens que chegaram armados e renderam os funcionários dentro do estabelecimento comercial. Nas duas situações, ele chegou quando a ação criminosa terminava e correu atrás de um dos bandidos, mas não conseguiu pegar.
O trabalhador reclama que não tem a quem recorrer, além de não ver a atuação eficaz da Polícia Militar nas rondas ostensivas e demonstra descrença com a Lei no 12.403, que entrou em vigor no dia 4 de julho de 2011, que dispõe sobre alternativas para evitar a prisão cautelar.
Santos afirma que somente 2 guarnições da PM estão disponíveis para fazer rondas em todo o CPA e bairros do entorno. O efetivo é considerado ineficiente pela população, que se sente desprotegida.
Embora afirme ter medo de precisar atirar em alguém, Mário destaca que não vê outra saída diante da situação enfrentada pela população do CPA 3. “Já pedimos para PM mais policiamento, mas falaram que não há essa possibilidade. Por isso, pensamos em ter arma”.
No CPA 3, comércios que foram invadidos não faltam. O presidente do bairro afirma que muitos contratam segurança privada, mas ainda assim não resolvem a questão. “Nem mesmo essas medidas estão inibindo as ações dos assaltantes”.
Paulo* lembra que é perigoso apontar quem tem arma na região, sob risco de ser atacado. Ao ser questionado se tem arma em casa ou no comércio, desconversa, ri e deixa a dúvida no ar, mas admite que os amigos têm. Paulo afirma que já uma lanchonete ser assaltada mais de 15 vezes. “Não posso ouvir barulho de gato no telhado, que acho que é ladrão”, brinca a esposa do comerciante.
Para o sociólogo, a situação da insegurança é lamentável em todos os aspectos e não vê na atitude dos comerciantes uma saída para o problema. Naldson Ramos entende como um equívoco da população acreditar que ter uma arma significa maior proteção. “Quem tem um revólver e é abordado não tem a garantia de sucesso na reação. Na maioria das vezes, pessoas que reagem terminam sendo vítimas de situações ainda mais graves desses criminosos que nada têm a perder”.
O ato de comprar uma arma, sem registro, pode representar um problema a mais para o cidadão de bem, que não deve, no entendimento do sociólogo, pensar em fazer justiça com as próprias mãos. Ramos comenta que atirar em uma pessoa, cometer um homicídio, ainda que em legítima defesa, pode em um primeiro momento garantir a sensação de vingança e justiça. Porém, a pessoa com princípios morais, o cidadão de bem, com certeza carregará o peso de eliminar uma vida.
O sociólogo acredita que a melhor saída para os comerciantes é a mobilização e busca de meios legais de proteção, como fazer denúncias nos órgãos competentes, a exemplo da imprensa e Ministério Público, além de cobrar do poder público maior eficiência no policiamento ostensivo e preventivo nos horários de maior incidência das ocorrências. “Deve-se cobrar uma ação mais proativa dos entes competentes. As autoridades que elegemos têm a obrigação de nos defender”.
Outro lado
O comandante do 3o Batalhão da PM, coronel Gley de Alves Castro, afirma que 40 homens e 6 viaturas, todas em funcionamento, atuam nas rondas e policiamento de 6 bairros dessa região. Destaca ainda que homens da Ronda Ostensiva Tática Motorizada (Rotam) dão apoio à segurança do CPA e entorno.
O coronel lembra ainda que segurança pública envolve um conjunto de fatores, entre eles questões sociais, econômica, falta de lazer, educação e estrutura. Elementos que terminam desaguando na violência. Ele diz que coibir a violência não depende somente de rondas, tem relação ainda com o trabalho de investigação e a legislação brasileira que é permissiva.
As rondas da PM têm como princípio garantir a segurança e funcionar como fator inibidor da criminalidade. Porém, o comandante destaca que a atividade não tem intimidado a bandidagem. Para ele, a impunidade contribui para o cenário. “Chegamos a prender a mesma pessoa várias vezes pelo mesmo crime. Ela ganha o direito de responder em liberdade e volta à criminalidade”.
Quanto à aquisição de armas por parte da sociedade, o comandante entende que a medida representa um risco ainda maior para população. Ele lembra do perigo deste revólver cair na mão de um bandido. O coronel destaca que a pessoa que adquire uma arma ilegal e não tem porte para uso está cometendo um crime. Lembra ainda que mesmo tendo a casa ou comércio invadido, a pessoa que reage e mata o assaltante responde pelo crime de homicídio. Em situação legal, o cidadão pode ter atenuantes, como o princípio da legitima defesa, porém quem não tem a documentação que permite o uso e porte de arma (também legal) tem o agravante de estar em situação ilícita. E também responderá criminalmente por este fato.