Trinta mulheres de Mato Grosso fizeram abortos legais de janeiro a novembro de 2008. O número aponta um crescimento de quase 4 vezes, se comparado com 2007, quando foram realizados 8 procedimentos com autorização da justiça. Em 2006, foram 10 casos. Os dados são do Ministério da Saúde. O direito de interromper a gravidez é garantido às vítimas de violência sexual, quando a mãe corre risco de morte ou em casos que o feto apresenta alguma deformidade grave.
O aumento de procedimentos legalizados é uma novidade para o chefe da Clínica Obstetra do Hospital Universitário Júlio Müller e presidente da Associação Mato-grossense de Ginecologia e Obstetrícia, Paulo Leão. Ele explica que no Estado, o HUJM é a unidade de referência para realizar abortos com autorização judicial e desconhece o número apresentado pelo Ministério da Saúde em relação ao ano passado.
O médico explica que o crescimento pode ser fruto da criação de um local apropriado para atender as pacientes, maior conhecimento dos direitos por parte das mulheres e a “simplificação” no trâmite, em casos de estupros.
Atualmente, a vítima de violência sexual não precisa obrigatoriamente entrar com processo judicial para interromper a gravidez. Segundo Leão, com cópia do Boletim de Ocorrência registrando a agressão, a mulher pode ir até o HUJM e fazer o pedido de aborto. Ela será avaliada por uma equipe multidisciplinar para verificar a situação. Nenhum procedimento é feito quando a gestação apresenta mais de 4 meses.
O obstetra lembra que antes, a demora judicial em autorizar os procedimentos em vítimas de violência, muitas vezes, impedia que o aborto fosse realizado. “Quando saia a decisão, a mulher já tinha mais de 4 meses de gravidez”.
A “simplificação” pode dar um passo para trás no que depender do projeto de lei assinado pelos deputados federais Luiz Bassuma (PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG). A proposta dos parlamentares proíbe a interrupção mesmo em casos de estupros, transformando o aborto em crime hediondo com detenção que varia de 1 a 3 anos para quem “causar culposamente a morte do nascituro”, com aumento de 1 ano para o médico que fizer a cirurgia. O projeto amplia, ainda, de 10 para 15 anos de reclusão a pena para o médico que provocar aborto sem o consentimento da mãe e de 4 para 10 anos caso ocorra com consentimento dela.
O projeto tramita na Câmara dos Deputados desde 2007, mas tem ganhado destaque devido a polêmica gerada com o caso da menina pernambucana de 9 anos, que foi estuprada pelo padrasto, engravidou de gêmeos e corria risco de morte. A igreja católica se posicionou contra o aborto e arcebispo de Olinda e do Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, chegou a excomungar todos que haviam participado, de forma direta ou indireta, do procedimento.
A aprovação da lei seria um retrocesso na opinião da professora de Serviço Social e pesquisadora do Núcleo de Estudo Pesquisa e Organização da Mulher (Nuepom), Vera Lúcia Bertolini. Ela entende que os casos permitidos por lei são bastante pontuais e a retirada desse direito provocaria mais dor para as mulheres que passam pela situação.
“Temos milhares de mulheres que morrem por conta de abortos feitos em condições precárias. Elas fazem independente do que diz a igreja, a lei ou o estado. A proibição é um falso moralismo, passou da hora de tirar a máscara e discutir o assunto com clareza”.
Embora defenda o aborto, a professora destaca que este não é um método contraceptivo.
Para o pastor Teobaldo Wintter, a aprovação do projeto funcionaria como uma condenação dupla à mulher vítima da violência sexual. “Seria mais um peso em cima da vítima de estupro”.
Destacando ser praticante da doutrina cristã, a presidente da Comissão da Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rosarinha Bastos, comenta que toda regra tem exceção e defende que sejam autorizados na justiça os procedimentos quando as vítimas da violência sexual forem crianças e adolescentes. A advogada explica que obrigar uma jovem a gerar um filho do seu agressor poderia ser muito traumático. “Em relação as mulheres adultas tenho ressalvas. Penso que o caso deva ser avaliado sempre, mas vejo que pode ser revertido mais facilmente em pessoas mais velhas. Conheço casos que deram certos”.
Para o consultor organizacional e coordenador da área de gestão da Educação Tecnológica do Univag, Claudinet Antônio Coltri Júnior, as penalidades apresentadas no projeto dos parlamentares são brandas. Ele concorda com a proposta e defende que toda vida deva ser preservada. “É uma vida que está pagando por um crime que não cometeu. O aborto não apaga a violência vivida pela mãe. O assunto é comentado como se tudo será esquecido com o aborto, mas isso não é verdade, o trauma fica sempre”.
Coltri comenta que deve ser tratada a questão da violência de uma forma diferente que a eliminação da criança. A defesa do consultor é em relação a criança acima de tudo, lembrando que em alguns momentos o destino muda o rumo da vida das pessoas e isso precisa ser encarado.
Pai de uma menina, ele acredita que não a apoiaria em um aborto caso engravidasse em um estupro, porém revela sua opinião não é fechada e enrijecida. “Pode ser que um dia eu mude de ideia, mas até hoje não me apresentaram um argumento forte o bastante para isso”.