Para desclassificar crime doloso contra a vida para a modalidade de lesão corporal, é imprescindível a presença de sérios elementos de convicção, não podendo ser acolhido pedido na pronúncia quando as provas indicam a ocorrência de dolo, devendo ser submetida a matéria à análise do Júri Popular. Esse é o entendimento da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que indeferiu recurso interposto por um acusado pronunciado por tentativa de homicídio praticado contra sua própria companheira, em Nortelândia. Com a decisão de Segundo Grau no Recurso em Sentido Estrito nº 130468/2008, fica mantida a pronúncia.
O réu foi denunciado perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Nortelândia como incurso nas sanções do artigo 121, caput, cumulado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal (tentativa de homicídio). Consta dos autos que em abril de 2007, na zona rural do município, ele teria tentado matar sua companheira, desferindo-lhe diversos chutes e socos, inclusive na cabeça, o que provocou escoriações e edemas. Ele também efetuou um disparo de espingarda contra a vítima, sendo que o homicídio só não foi consumado porque a arma estava sem munição e ela foi socorrida por pessoas que chegaram ao local durante o espancamento. A todo o momento o réu dizia que iria matá-la, conforme os depoimentos.
Pronunciado, o réu apresentou recurso, buscando a desclassificação do crime de tentativa de homicídio para o delito de lesões corporais, aduzindo que não teria tido intenção de matar a vítima. Contudo, para o relator, desembargador Paulo da Cunha, “encontrando-se devidamente comprovada a existência do crime e de indícios suficientes da autoria, deve a matéria ser remetida para análise do Tribunal do Júri, conforme artigo 408 do Código de Processo Penal”. Esse artigo dispõe que “se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento”.
Conforme o desembargador, a sentença de pronúncia é um juízo de admissibilidade da acusação, com natureza é declaratória e não condenatória, na qual impera o princípio in dubio pro societate (na dúvida, decide-se a favor da sociedade). Essa dúvida deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença, que representa a própria sociedade. “A pretensa desclassificação em relação ao delito de tentativa de homicídio, por ausência de animus necandi (intenção de matar), somente é admitida quando se apresentar de forma induvidosa, o que não restou demonstrado no caso em tela, devendo a matéria ser analisada pelo Júri Popular”, salientou.
A decisão foi unânime. Também participaram do julgamento os desembargadores Gérson Ferreira Paes (1º vogal) e Manoel Ornellas de Almeida (2º vogal).