Há quase 2 meses os preços do etanol em Mato Grosso apresentam reduções contínuas. Na última semana, o litro do biocombustível pode ser adquirido em postos da região metropolitana de Cuiabá por até R$ 1,95. Os valores atuais, comemorados pelos consumidores, surpreendem até mesmo os agentes da cadeia de combustíveis. Na atividade, duvidava-se que o produto retomasse cotações equivalentes ao patamar de 2006, quando esteve cotado a R$ 1,93/l, e chegasse a R$ 1,99/l. A briga de preços no varejo leva a discrepâncias de até 84 centavos por litro de etanol no Estado, com variações entre o mínimo de R$ 1,95/l ao máximo de R$ 2,79/l.
Com a disputa pela preferência do consumidor cada vez mais acirrada, o mercado vive um “racha”. Denúncia anônima, e nem por isso menos explosiva, chegou ao Ministério Público Estadual com relatos de concorrência desleal baseada em fraudes fiscais, sonegação de impostos, manipulação de preços e adulteração nos produtos. A reportagem de A Gazeta recebeu, via aplicativo de mensagem instantânea, o documento apócrifo intitulado “SOS às autoridades”. Nele são detalhados esquemas montados por algumas redes de postos e distribuidoras de combustíveis em Mato Grosso.
A denúncia anônima chegou ao conhecimento da promotora de Justiça da 14ª Vara Criminal e coordenadora do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), Ana Cristina Bardusco, que imediatamente a direcionou aos setores competentes para providências. “Encaminhei para todos que têm atribuição de verificar a procedência do que é relatado. As pessoas apontadas são conhecidas, alvo de investigações do passado, talvez até de alguma (investigação) em curso. A partir deste material está iniciando outra apuração”.
Promotor de Justiça do Núcleo de Defesa da Cidadania e Consumidor de Cuiabá, Ezequiel Borges, registra que a Promotoria não atua com base em denúncias anônimas “que se apoiam em especulações genéricas”. Apesar de desconhecer o documento apócrifo que alerta sobre a concorrência desleal, adulteração de produto e sonegação de impostos no segmento varejista de combustíveis, ele reconhece que não se trata de fato inédito. “Em 2009 houve acusações equivalentes contra várias empresas e isso resultou na vinda de técnicos da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) a Cuiabá”, relembra
Contudo, em apenas 3 postos inspecionados houve a constatação de irregularidades na qualidade do combustível vendido ao consumidor. “Embora a sujeição dos motoristas a combustível adulterado seja uma possibilidade real não só aqui, como, a rigor, em todos os municípios do país, coincidentemente a anormalidade só é exposta no mercado local quando há fortalecimento na dispersão de preços na cidade”, observa. “Quando os preços nas bombas eram rigorosamente iguais, e isso foi uma prática recorrente durante muito tempo, remanescia um silêncio obsequioso no setor”, critica.
O promotor lembra que a limitação da margem de lucratividade no etanol em 20% foi reconhecida em diversas decisões judiciais, algumas já estabilizadas pelos efeitos da coisa julgada. “Mas só possuem alcance local, isto é, na capital do Estado”, complementa. Para Borges, a medida beneficiou de forma efetiva os consumidores. “Sendo a responsável por expungir do mercado práticas altamente danosas que era a massificação de preços praticamente iguais e com margens de lucratividade abusivas”.
Empresas com possíveis problemas de liquidez podem estar vendendo o etanol a preços muito próximos do custo de produção, avalia o diretor executivo do Sindicato das Indústrias Sucroalcooleiras de Mato Grosso (Sindálcool/MT), Jorge dos Santos. “Isso preocupa porque como ficará os investimentos na próxima safra?”. Nas últimas 3 semanas, o preço do etanol na indústria recuou em 7 centavos. Na semana passada, o litro do biocombustível foi vendido a R$ 1,64.
Por sua vez, o diretor executivo do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis de Mato Grosso (Sindipetróleo/MT), Nelson Soares Júnior, observa que o tratamento tributário do etanol no Estado é diferente do restante do país. Contudo, é o mesmo para todos os revendedores matogrossenses. “Então, por si só (a tributação) não deveria interferir na formatação dos preços”. Ele enfatiza que o Sindipetróleo não orienta, não calcula e não interfere na definição de preços. “Entendemos que estes devem ser influenciados unicamente pelas variáveis de mercado”. Sobre a atuação concomitante de alguns empresários do segmento varejista no atacado de combustíveis em Mato Grosso, o diretor do Sindipetróleo afirma desconhecer esta prática. “A legislação proíbe essa dupla atividade, varejo e distribuição”, pontua.
Sobre os preços dos combustíveis, a agência reguladora registra que estão liberados, por lei, desde 2002 para toda a cadeia de produção, distribuição, revenda e derivados de petróleo. Nunca houve tabelamento de preços dos combustíveis, nem fixação de valores máximos e mínimos ou exigência de autorização oficial prévia para reajustes de preços em qualquer etapa da comercialização. Tampouco, a agência regula ou fiscaliza preços de combustíveis.
Semanalmente a ANP acompanha o comportamento dos preços praticados pelas distribuidoras e postos revendedores de combustíveis em todo o país. Com isso, objetiva principalmente contribuir para que os consumidores busquem as melhores opções de compra e permite a identificação de mercados com indícios de infração à ordem econômica. “Na hipótese de identificação de fatos que possam configurar infrações contra a ordem econômica, tais como cartéis e preços predatórios, a ANP comunica ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para adoção das medidas cabíveis”, informou.
Desde janeiro até abril deste ano, a ANP realizou 96 ações de fiscalização em Mato Grosso, que culminaram em 26 autos de infração e uma interdição. A agência informa que a licitação para renovação do convênio em Mato Grosso para continuidade do Programa de Qualidade de Combustíveis (PMQC), interrompido há quase 2 anos, está planejada para o 2º semestre deste ano, com início da execução do monitoramento em 2018. Em 2016 foi realizada licitação, mas não houve vencedor em Mato Grosso.