Tramitam hoje na Justiça Federal de Mato Grosso 21.547 processos contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). São pessoas que tiveram os benefícios negados pela via administrativa e procuraram a Justiça para tentar resolver os problemas. Em 40 anos já são 88.215 processos protocolados. Somente em Cuiabá, onde está concentrada a maioria dos processos contra o INSS, há hoje 16.230 em andamento e destes, 1.372 foram protocolados nos primeiros cinco meses deste ano.
O juiz da 6ª Vara Federal, Márcio de França Moreira, explica que a maioria dos processos é de aposentadoria por invalidez, rural e por tempo de contribuição e o auxílio doença. O magistrado, que é do juizado especial, onde a maior parte da clientela é autora de ações contra o INSS, diz que o instituto tem ganho de causa em cerca de 35% das ações, que são os casos onde os reclamantes não preenchem os requisitos da lei.
O esforço na Justiça Federal é grande para tentar manter os processos em dia. Com apenas 2 juízes no juizado especial, eles realizam cerca de 80 audiências por mês. Em abril do ano passado o juizado tinha 25 mil processos, incluindo outros casos. Hoje este número já foi reduzido para 17 mil, sendo 9.479 de natureza previdenciária.
O magistrado aponta que o objetivo é levar todas as ações para audiência de conciliação e reduzir, com isso, o tempo de disputa judicial entre as partes. E nestas audiências, ele destaca que o índice de conciliação tem sido de 70%. Quem não faz acordo, no entanto, tem que esperar. Um processo deste pode demorar até 1 ano e meio e com os recursos possíveis pode chegar até 2 anos e meio para uma sentença definitiva.
“Na conciliação, a lei impõe que a sentença seja líquida. Ou seja, que seja definido qual é o valor devido. E esta sentença é irrecorrível. Não há pedidos de vistas, impugnação. Fez o acordo, vai para pagamento, inclusive dos atrasos. E isso traz uma segurança jurídica para o segurado”, explica o magistrado.
Apesar de todo o esforço, ainda há na Justiça Federal alguns processos de 2004, ainda sem sentença, que o magistrado define como “feridas pretéritas”. Por outro lado, há processos que foram protocolados este ano e já estão sentenciados. A meta, de acordo com o juiz Márcio Moreira, é que em no máximo 1 ano e meio, a tramitação de um processo não dure mais de 6 meses.
Os entraves – O juiz federal Márcio Moreira, que convive dia a dia com inúmeros processos contra o INSS, afirma que muitos deles poderiam sim ser resolvidos pela via administrativa. Ele aponta que há casos em que o direito do segurado é “claro”. “Há uma cultura dentro do INSS de dificultar ao máximo a concessão do benefício”, afirma Moreira.
Segundo o magistrado, são três fatores que emperram os procedimentos que poderiam não chegar na justiça. O primeiro, segundo ele, é o fato do servidor público viver na “cultura do medo”. “O servidor público, se cometer um erro, vai responder a processo administrativo e pode ser demitido. Esse medo cria a rotina de que na dúvida negue. Só concede se tiver certeza absoluta. Faltou um simples documento, ele nega”.
O outro entrave, na visão do magistrado, é a falta de estrutura das agências e o treinamento dos servidores. “Há muitos despreparados. Não tem treinamento, aperfeiçoamento. A grande maioria passa no concurso e se encosta no balcão do órgão. Falta preparo humano”.
E o outro fator que poderia agilizar, segundo Márcio Moreira, é a utilização, por parte do INSS, das jurisprudências pacíficas. “O INSS não adota. É só o que está na lei e tem coisa ultrapassada. Então, o órgão poderia ser melhor se quisesse interpretar um pouco mais a lei, se pudessem fazer isso sem a cultura do medo e melhorasse a sua estrutura”.
A luta – A batalha de muitos segurados pode ser longa. E no meio do caminho uma surpresa inesperada pode vir. É o caso de Silvino da Costa Monteiro Filho, 43, que nesta segunda-feira (9) vai passar a fazer parte da estatística dos números de processos na justiça contra o INSS.
Silvino era motorista de uma empresa de ônibus de Cuiabá. Em uma noite de 2004, quando voltava para sua casa, sofreu um acidente de carro e teve traumatismo craniano. Passou dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e demorou cerca de 5 meses para conseguir receber o benefício auxílio-doença do INSS.
No último mês a surpresa. Um perito do INSS mandou suspender seu benefício, afirmando que ele é um homem forte e tem que ir trabalhar, sem nem mesmo examiná-lo. E o que o perito disse, não é o que diz os laudos médicos de Silvino. Um deles, assinado por um neurologista de Cuiabá, afirma que Silvino tem alteração de memória recente, cefaléia crônica, mudanças bruscas de humor, agressividade, “caracterizando stress pós-traumático”. O médico afirma que ele “não tem condições de exercer seus meios de subsistência”.
Além disso, ele ficou com problemas na visão, audição e no coração. Afirma que está tendo desmaios repentinos e não possui condições de voltar a dirigir um ônibus lotado de pessoas. “Contribui por 19 anos e corro o risco de perder a condição de segurado. Eu queria estar trabalhando, mas não posso pensar mais em mim. Tenho que pensar nas pessoas que eu teria a responsabilidade de levar para casa”.
A advogada da associação dos aposentados, Marilia Moreira, afirma que o caso de Silvino ocorre com muitas outras pessoas e o auxílio-doença e sua transformação em aposentadoria por invalidez é o maior problema. “Mesmo de posse de atestado médico dizendo que não estão aptos ao trabalho, eles liberam”.
Outro lado – O procurador do INSS em Cuiabá, Danilo Eduardo Vieira, afirma que “os segurados descobriram no Poder Judiciário uma forma mais fácil de conseguir benefícios”. Ele afirma que o Judiciário é mais “flexível a cerca de legislação previdenciária” e acusa alguns juízes de darem o benefício por incapacidade a segurados que passaram por perícia e que teria sido comprovado que não tinham qualquer problema.
O procurador afirma ainda que os segurados começaram a ir direto na Justiça e não passavam mais pelo INSS. Foi quando, segundo ele, o juizado especial editou uma súmula obrigando um prévio requerimento administrativo para mover uma ação. “Esta súmula foi aprovada porque a Justiça Federal estava virando o balcão do INSS”.
Vieira não descarta a possibilidade do INSS negar um benefício quando poderia ser concedido, mas afirma que isso é raro e que na Justiça conseguem resolver justamente devido a flexibilidade.
Quanto a capacitação dos servidores, ele afirma que existe frequentemente, mas que há carência de pessoal e que isso provoca uma sobrecarga nos funcionários e “afeta inevitavelmente no resultado do trabalho”.
Quanto aos peritos, que estariam liberando pessoas ainda com problemas, ele garante que houve uma grande mudança no INSS neste setor. Segundo o procurador, até 2006 os médicos que faziam as perícias eram terceirizados e ganhavam por produtividade. O governo decidiu então realizar concurso. “Hoje há maior lisura nas perícias e os benefícios concedidos indevidamente começaram a ser suspensos”.
Ele afirma ainda que dos benefícios solicitados por incapacidade, apenas 30% são indeferidos. “Chega a ter casos que a pessoa recebe o benefício por incapacidade e flagramos ela trabalhando”.
A gerente executiva do INSS, Lucy Rosa da Silva, acrescenta que é no auxílio-doença que está o maior número de fraudes, como atestados médicos e exames falsos. Ela garante ainda que não existe a “cultura do medo” e sim uma “cautela maior” por parte dos servidores, justamente por causa das fraudes e também pelo fato de que serão punidos caso errem.