Responsável por aproximadamente 15% do Produto Interno Bruto (PIB) da região amazônica, o setor madeireiro pode enfrentar uma crise de falta de matéria-prima. Para os empresários, a burocracia e uma certa confusão de marco legal são o principal problema do setor – no norte do Mato Grosso, eles são unânimes em apontar dificuldades para conseguir madeira de fontes legais. A origem das reclamações está na Medida Provisória 2166/2001, que altera o Código Florestal, aumentando a reserva legal de 50% para 80% das propriedades rurais na Amazônia.
Augusto Francisco dos Passos, presidente do Sindicato dos Madeireiros do Extremo Norte de Mato Grosso (Simenorte), em Alta Floresta, considera que os empresários do setor madeireiro não são donos das terras de onde se extrai a madeira, o que os torna dependentes dos proprietários rurais para obter madeira legal. Passos diz que muitas propriedades já haviam averbado como reserva legal de mata nativa em 50% de suas propriedades e alegam direito adquirido para não averbar o restante; outros já desmataram 50% e encontram dificuldades em legalizar sua reserva junto aos órgãos ambientais, outros ainda se recusam a fazer a averbação, aguardando uma regulação definitiva sobre o assunto. Para dimensionar o tamanho do problema, dados do censo realizado pelo Simenorte com 106 empresas de Alta Floresta e região mostram que a indústria madeireira é responsável pela geração de 2,7 mil empregos diretos, pagando R$ 1 milhão de ICMS por mês. Uma crise nesse setor poderia ter um impacto negativo na economia dos municípios.
O coordenador do Instituto Ouro Verde concorda com as dificuldades legais enfrentadas para extração de madeira. Para Luis Fernando Laranja da Fonseca, a legislação que órgãos ambientais cumprem não favorece a captação de matéria-prima, limitando a oferta de madeira legal tanto proveniente de desmate quanto de manejo. Laranja diz que a possibilidade de saída mais concreta desta situação de incerteza é a votação da MP 2166/01, que regulamenta o Código Florestal. “Independendo do resultado, ela dá uma resposta estável para a questão. Pior que ter uma definição que não agrada a uma parcela da população é não ter uma definição”, argumenta. “Há uma dificuldade em explorar a floresta de maneira sustentável”, completa Jaldes Lander, presidente do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Norte de Mato Grosso (Sindusmad). “A burocracia cansa”, desabafa o empresário.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável pela fiscalização ambiental, está sensível ao problema, mas lembra que o órgão que tem a finalidade de apenas cumprir a legislação existente. Alexandre Nascimento de Matos, chefe Ibama de Alta Floresta, reconhece que a situação está problemática. Segundo ele, existem poucos planos de manejo autorizados no estado do Mato Grosso, e diz que mesmo sendo provisória, a medida 2166 tem força de lei, portanto, tem que ser cumprida. “A gente fica limitado, se a pessoa não fizer a averbação de 80%, a gente não consegue autorizar o manejo floresta”, diz o chefe do órgão.
Segundo Matos, a orientação para os proprietários que já fizeram a averbação de 50% é comparecer ao Ibama e assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, se comprometendo a reflorestar 30% da área, ou adquirir uma nova área para completar o índice de reserva legal. Para ele, no entanto, o problema não é apenas a regulação, Matos diz que há um problema cultural de fundo na questão. “Há no país uma cultura de que criar boi é melhor do que viver da floresta em pé, os pecuaristas ainda não têm a percepção de que a floresta em pé vale mais que a floresta nua” diz Matos, e completa: “Ninguém acha feio um pasto com boi, mas acha ruim ver a madeira na serraria”.
O chefe do Ibama de Alta Floresta diz ainda que o governo vai começar a intensificar a fiscalização dentro das propriedades e não só no transporte de cargas. Além disso, o órgão está trabalhando para agilizar o processo de autorização de manejo florestal, para que seja mais rápido e menos burocrático. “O problema é delicado, se o madeireiro não tirar essa madeira ilegal, ela vai ser queimada. Por isso, nossa ação de fiscalização não pode ser focada apenas no madeireiro”.
Florestas Públicas
Uma saída mais estável para o problema pode ser o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas (PL 4.776/05), em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto cria três formas de gestão de florestas públicas: a criação e a gestão direta de Florestas Nacionais, a destinação às comunidades locais e a concessão florestal, a ser aplicada em florestas naturais ou plantadas e nas unidades de manejo das Florestas Nacionais. Esse último é justamente a parte que mais interessa aos empresários do ramo, que teriam garantida a concessão de áreas de mata para extração de madeira legal.
Lander diz que o projeto tem pontos positivos, mas carece de uma discussão mais aprofundada com os atores da região amazônica, “desde o ribeirinho, o índio, até o setor madeireiro e toda a sociedade”. O presidente do Sindusmad acredita que o PL de Florestas Públicas é uma medida para conter o desmatamento, mas também vê o risco de o país perder sua soberania. “Não se pode abrir para concessão internacional das florestas públicas” afirma. “Hoje as empresas estrangeiras têm melhores condições de concorrer às licitações que seriam feitas para a concessão das florestas públicas, o que seria de grande prejuízo para os madeireiros locais”.
Falta de incentivos
Augusto dos Passos aponta outro grande problema enfrentado pela indústria madeireira – a falta de fomento para programas de reflorestamento, que poderiam diminuir a pressão sobre a floresta nativa. Atualmente, apenas 1,8% da madeira utilizada pelas empresas do extremo norte do Mato Grosso provém de reflorestamento. Segundo dados do censo realizado pelo Simenorte, 43% da matéria-prima utilizada é de desmate e 52,93% de manejo. O aproveitamento de sobras também é insignificante, menos de 1%. Segundo o empresário, o fomento ao reflorestamento é o melhor caminho para garantir a sobrevivência do setor.
Jaldes Langer, do Sindusmad, concorda que a situação é crítica, mas acredita que o setor ainda não está quebrado. “O que está ruim é o setor de compensado, porque praticamente só exporta e a queda do dólar tem um impacto grande nessas indústrias, que são também as que mais empregam dentro do setor madeireiro. Os insumos também estão mais caros. A cola, por exemplo, representa hoje 20% do custo de produção” aponta. Segundo o presidente do sindicato, existe a possibilidade de as fábricas de compensado pararem de funcionar, mas isso não significa a quebra total, em vista do estoque atual. “O mercado não está bom de modo geral, não só para madeira, mas também para a soja, o arroz e a pecuária”, completa.
Apesar do cenário de dificuldades, a exportação de produtos florestais madeireiros tem aumentado significativamente nos últimos anos. Tanto que a madeira está em terceiro lugar na pauta de exportação do Mato Grosso, atrás apenas do algodão e da soja. “Estamos à frente da carne, e somos o estado que mais produz carne no país”, compara Langer. Para ele, uma saída para melhorar o setor madeireiro é a busca por novas moedas, diminuindo a influência do dólar na saúde financeira das empresas. Ele cita os mercados do oriente médio e Europa como boas possibilidades. “Temos que buscar vender para Israel e países que usem o euro, uma moeda que tem se mostrado mais estável”. O empresário também aposta no crescimento da construção civil para dar novo fôlego ao consumo de madeira no segundo semestre deste ano.