Se não ocorreu vício de consentimento quando assinada a fiança no contrato de locação de imóvel, conclui-se que o fiador sabia que a partir daquele momento estaria compelido a satisfazer a obrigação do devedor principal, caso este faltasse para com o compromisso assumido, concorrendo para tanto com o seu patrimônio. Desta forma, é vedado ao indivíduo, na condição de fiador, invocar para a defesa do seu patrimônio a impenhorabilidade do seu único imóvel se ele, por livre convicção, concordou com o encargo. Esse foi o entendimento unânime da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao acolher recurso interposto pelo agravante e reformar decisão de Primeiro Grau, mantendo a constrição do imóvel pertencente ao agravado, fiador de um contrato de locação.
Em Primeira Instância, o Juízo entendeu pela impenhorabilidade do único imóvel de propriedade do fiador do contrato locatício executado, por ser bem de família, garantindo-lhe a moradia. Insatisfeito com a decisão, o agravante interpôs recurso no qual alegou que a decisão deveria ser reformada, uma vez que a impenhorabilidade aduzida pelo agravado não seria oponível contra obrigação que decorre de contrato de fiança, conforme o art.3º, VI da Lei n. 8.009/90. Assim, aduziu mesmo que o agravado seja o único imóvel do fiador, a obrigação haveria de ser garantida.
Segundo o relator do recurso, desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha, neste caso deve-se fazer valer as regras estabelecidas pelo direito privado. ”Digo isso pois devem ser prestigiados e respeitados os pactos, bem como os efeitos estabelecidos pelas partes dos contratos firmados, isto em atenção ao princípio da livre contratação, da livre iniciativa e o pacta sunt servanda”, observou. Conforme o magistrado, o fiador agravado não alegou haver vício de consentimento ou qualquer outro vício formal quando celebrou contrato de fiança em que prestou o compromisso de garantir a obrigação firmada entre o locatário e o locador. “É vedado ao indivíduo na condição de fiador empreender para a defesa do seu patrimônio, a impenhorabilidade do seu único imóvel se foi ele mesmo quem o colocou nesta condição de fiador da obrigação no contrato de locação”, ressaltou.
O desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha salientou que o Supremo Tribunal Federal, em análise a caso análogo (RE 407688/SP, Tribunal Pleno, j. 8-2-2006), por maioria, entendeu pela possibilidade da penhora de bem família do fiador do contrato de locação sem que isso afronte o direito constitucionalmente garantido à moradia.
“Sob a Relatoria do Ministro Cezar Peluso, os Ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, e Nelson Jobim entenderam que o direito à moradia instituído no art. 6º da CF não abarca a proteção à propriedade, devendo prevalecer os princípios da autonomia privada e da autodeterminação das pessoas, inerentes ao direito da personalidade”, finalizou o relator, cujo voto foi acompanhado pelos desembargadores Leônidas Duarte Monteiro (primeiro vogal) e Sebastião de Moraes Filho (segundo vogal).