O governo Luiz Inácio Lula da Silva prepara medidas de socorro financeiro para as empresas de planos e seguros de saúde, o polêmico setor que reúne 1.797 operadoras e responde pela assistência a 40,1 milhões de brasileiros.
A intenção é criar duas linhas de crédito, ambas com recursos do mercado financeiro, a princípio de duas instituições estatais: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco do Brasil. Uma das linhas servirá para estimular fusões e aquisições. A outra, empréstimos de curto prazo.
De acordo com Fausto Pereira dos Santos, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que é responsável pela fiscalização do setor, já começaram as conversas com a diretoria do BNDES e está em implantação um grupo de trabalho.
Na última sexta-feira, o banco informou desconhecer a proposta. Se aprovada, ela poderá criar um monopólio no mercado, alertou Arlindo de Almeida, presidente da Abramge, entidade que reúne planos de saúde.
“É uma idéia para estimular um rearranjo do setor, com fusões e aquisições”, explica Alfredo Cardoso, diretor de Normas e Habilitação da ANS e responsável pelas propostas de socorro. Bancos privados poderão participar, mas nenhum se interessou.
“Alguns comparam isso ao Proer do sistema financeiro. Mas a saúde suplementar, além de importante sob o ponto de vista econômico, faz parte da parte social, do “S” do banco”, explicou ainda Cardoso, que é ex-diretor da empresa de planos Amil. Segundo ele, há interesse da diretoria do BNDES na operação.
O Proer foi um programa de incentivo a fusões e aquisições de bancos lançado em 95, na gestão de Fernando Henrique Cardoso.
A ANS também já apresentou um fundo a ser gerido pelo Banco do Brasil que ofertará R$ 150 milhões às operadoras em três anos, para empréstimos de curto prazo -60 dias- a uma taxa de juros de 3% a 5% ao ano, mais o CDI, título que é referência de rentabilidade para fundos bancários. Isso significa algo como 21% ao ano. Hoje, essas operadoras, ao buscar empréstimo no mercado financeiro, pagam 3% a 5% ao mês, o que gera diferença de no mínimo 15 pontos percentuais/ano em relação à proposta do governo.
O fundo terá como garantia as mensalidades dos clientes -a securitização de recebíveis.
Segundo Santos, a agência foi uma “facilitadora” da operação. A idéia é viabilizá-la em até 90 dias. O banco não quis comentar.
Para especialistas do mercado, o risco da operação dependerá dos contratos. É necessária, por exemplo, uma segurança contra uma possível inadimplência no pagamento das mensalidades.
Segundo Cardoso, os principais grupos de setor, o de operadoras e seguradoras de saúde, perderam clientes nos últimos quatro anos, tiveram ganhos pequenos no faturamento e estão com índices de liquidez (capacidade de obter recursos rapidamente) apertados.
“O setor público não tem de socorrer essas empresas. Elas foram criadas com recursos públicos e já vêm sendo subsidiadas. Ainda que o gesto seja só simbólico e que não haja emprego de recursos públicos, o esforço do Estado deveria ser na consolidação do SUS”, diz Ligia Bahia, pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro e uma das autoras do laudo sobre o tema da Comissão de Saúde Suplementar do Conselho Nacional de Saúde, órgão de controle social do setor.
Para Bahia, o setor é subsidiado porque, por exemplo, não paga ao sistema público pelos atendimentos de urgência de seus pacientes, apesar da exigência legal.
R$ 589,3 milhões é o que o SUS poderia ter recebido das empresas pelos serviços de urgência desde setembro de 1999 até o mesmo mês de 2003, mas apenas R$ 40,3 milhões haviam sido quitados.
O texto da comissão destaca que o orçamento do ministério deste ano, R$ 39,2 bilhões, para 140 milhões de “SUS-dependentes”, aproxima-se de tudo que o setor privado movimenta. “Em um país em que metade vive na miséria, a questão de saúde é pública, não privada”, diz o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, rompido com o governo desde 2004.