Nessa época de crise, o governo federal deveria tomar medidas “mais contundentes”, que beneficiem todos os setores da economia, e não apenas alguns. A afirmação é do professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Ricardo Araújo. Segundo ele, não se pode ajudar um setor em detrimento de outros.
“Por que o setor automobilístico está sendo tão ajudado pelo governo, quando há muitos setores que precisam?”, questionou o professor, em entrevista à Agência Brasil.
Para ele, para evitar uma forte desaceleração da economia, é preciso melhorar o spread (diferença entre as taxas pagas pelos bancos para adquirir recursos e as que cobram dos clientes) bancário no crédito para as famílias de maneira geral. “As famílias consomem, parcelam suas compras, e as taxas de juros na ponta do crédito já são muito elevadas. Então, o governo precisa criar um mecanismo para que as taxas de juros na ponta do crédito continuassem nos parâmetros do ano passado, não teríamos um processo de desaceleração econômica tão forte como teremos”, afirmou.
Araújo disse que os bancos ainda não reduziram o spread, por causa da interdependência entre eles e o governo, na medida em que a dívida pública é financiada pelos bancos, explicou. “O governo depende dos bancos.” Ele sugere também o aumento da concorrência no setor, com a permissão para que bancos estrangeiros se instalem no país.– hoje isso só ocorre se os bancos internacionais comprarem bancos brasileiros. “O sistema financeiro tem hoje no Brasil um poder gigantesco e pratica as taxas que bem quer”. Para ele, o Congresso Nacional deveria votar leis regulamentando o sistema financeiro e proibindo os bancos de praticar spreads tão elevados.
Araújo afirmou que o spread bancário no Brasil é “imoral”, porque, segundo ele, não é possível a taxa do cheque especial estar em torno de 9% ao mês, quando a taxa de juros nos Estados Unidos é de 1% ao ano. Então, o consumidor acaba sendo afetado.”
O professor considera um equívoco recomendar que as pessoas continuem a consumir para que a economia não desaqueça. Em vez disso o governo deveria aconselhar que todos poupassem dinheiro. “O recado ao cidadão brasileiro é que consuma menos e guarde suas economias para os meses mais difíceis. [Que] pague suas dívidas primeiro, seus impostos. E, como o início do ano vêm as mensalidades e o material escolar para os filhos, que tenha parcimônia, porque meses difíceis virão.”
Para o Brasil, 2009 será um ano mais difícil do que 2008, disse o professor. Ele ressaltou, no entanto, que os efeitos da crise externa no Brasil não serão tão fortes quanto nos países em que ela teve origem. “Se o governo pretende que o consumo das famílias se mantenha no patamar de 2007, precisará conversar com os bancos para que não pratiquem taxas tão elevadas como as atuais.”
Araújo defendeu também o aumento da concorrência entre os bancos. Segundo ele, em compras parceladas, o brasileiro médio muitas vezes acaba pagando duas vezes o valor do bem somente em juros. “Isso faz com que os bancos tenham lucros exorbitantes, havendo uma transferência de renda das famílias para o sistema financeiro”. O professor frisou que não é contra o lucro dos bancos: “Eles devem ganhar dinheiro, mas não dessa maneira.”
A tendência de fusões e aquisições deverá permanecer em 2009. É que os bancos têm interesse de se “blindar” no Brasil para aproveitar as oportunidades de negócios futuras no mercado internacional. “Eles querem começar a se globalizar Isso ainda não ocorreu de forma efetiva porque os lucros dos grupos bancários no país são muito altos. Eles não sentem ainda necessidade estratégica de operar em outros países.”
Apesar de sofrer alguns efeitos da crise externa, como a retração da atividade industrial, Araújo afirmou que o Brasil não está em crise – a renda do brasileiro subiu ao longo do ano, a economia cresceu em 2007, e isso repercutiu no aumento da renda da classe média e da classe mais baixa.
De acordo com Araújo, o governo tomou medidas pontuais acertadas para enfrentar a crise no mercado doméstico, como a criação de faixas intermediárias do Imposto de Renda Pessoa Física.
No setor bancário, o economista disse que os grandes grupos não estão tendo problemas: “A exceção são os pequenos e os de médio porte que, em geral, são mais apertados pela liquidez, porque os grandes não querem emprestar dinheiro para os menores.” Ele explicou que os bancos de menor porte são, de certa forma, dependentes dos bancos maiores, porque os certificados de depósito interfinanceiro (CDIs) e de depósito bancário (CDBs) emitidos pelos pequenos bancos têm como compradores as instituições maiores, que detêm a maior parte do crédito no Brasil.