Cuiabá perde 30% da água e Mato Grosso 7% da energia elétrica produzida por causa dos desvios irregulares nas redes, os chamados "gatos". As artimanhas causam um déficit de 1,8 milhão de metros cúbicos de água por mês (equivalente ao consumo de 165 mil pessoas). E, na energia, quase 30 megawatts também ao mês (abastece cerca de 17,5 mil usuários). As empresas responsáveis afirmam que a prática não resulta somente na redução da receita, mas em um forte desperdício pelos infratores.
A Companhia de Saneamento da Capital (Sanecap) produz 6 milhões de metros cúbicos de água por mês (cada metro cúbico equivale a mil litros). Deste total, 3,6 milhões são as chamadas "perdas" da empresa, ou seja, 60%. Metade disso é devido a "vazamentos" (perda técnica) e por ligações feitas pela companhia sem a inclusão do medidor de consumo. A outra metade é os "gatos".
Segundo o diretor-presidente da empresa, Antônio Carlos Ventura Ribeiro, é considerado "normal" perder de 25% a 30% do que se produz do setor, mas o caso de Cuiabá extrapola, chegando ao dobro. "Nosso ganho é de R$ 87 milhões por ano. Nossa perda é de R$ 65 milhões no mesmo período. Calculamos que existam cerca de 35 mil unidades sem medidor de consumo de água no município. As gambiarras são incalculáveis".
Uma estimativa da Direção Técnica da empresa aponta para 45 mil ligações irregulares na Capital, o que contribui para um grande desperdício de água. Como não é medido ou detectado onde está o problema, muitos moradores consomem de forma indiscriminada, sem respeito ao meio ambiente. "Se produz água suficiente para Cuiabá. O que acontece é que não se consegue resolver o problema dessas perdas".
Um dos motivos apontados para essa questão pode ser o custo da água na cidade. Algo que é discordado pela empresa. "Cerca de 10 mil litros de água equivale a cerca de R$ 18", explica o diretor-comercial Everson Serra.
Regiões – As áreas invadidas em Cuiabá, os populares "grilos", são um dos causadores dos desvios irregulares de água. Como levar água e energia elétrica para áreas públicas e privadas ocupadas é ilegal (já que estaria incentivando a permanência da família no local), as pessoas praticam os "gatos". Geralmente, eles são realizados partindo de encanamentos públicos, em que um cano é remanejado para a área ocupada. A água chega ao banheiro e à pia por meio de mangueiras, mas também são armazenadas em caixas d"água.
No bairro Planalto, por exemplo, parte dos moradores que estava alojado à margem do rio Gumitá utilizava dos "gatos" para melhorar a permanência no local. Nesses locais, é possível ver crianças brincando com a água sem o menor controle de consumo.
Entretanto, muitas vezes, imagina-se que o desvio irregular da água venha de bairros pobres e periféricos do município. "Nem sempre o carente é o responsável por isso", diz Ribeiro. As ações podem ser realizadas em qualquer área. Bairros como Doutor Fábio e 3 Barras, por muito tempo, foram apontados como causadores desse rombo. Mas locais considerados nobres, com moradores com alto poder aquisitivo, também apresentam essa realidade.
Além do perfil, a característica do consumidor também mudou. Segundo a Sanecap, o desvio pode ainda acontecer em empresas privadas, mercados, lanchonetes, que consomem muito mais água do que a registrada no medidor.
Combate – "Com o dinheiro que nós perdemos poderíamos construir quase uma ETA ao ano", diz Ribeiro. A Estação de Tratamento de Água (ETA) Tijucal custou aos cofres públicos aproximadamente R$ 75 milhões. Por isso, segundo o diretor-presidente, será feito um forte combate às perdas.
A intenção é, inicialmente, avançar sobre as unidades sem medidor de consumo. Isso porque seria mais fácil combatê-las, pois a empresa conhece os locais onde estão. "Sabemos que eles consomem, mas não sabemos quanto".
Após esse passo, será visado os "gatos". Apesar de ser muito difícil localizá-lo, o objetivo é identificar os pontos fazendo verificações no histórico de consumo da unidade. Uma queda muito brusca no gasto de água de um mês para o outro é um indicativo. "Se descoberto, existem vários tipos de punição. Vamos pegar o histórico de gasto e de queda, fazemos o cálculo e ele irá pagar a diferença de consumo durante todo o período".
Somado a isso, também pode haver punição administrativa (com o corte no fornecimento) até o registro de um boletim de ocorrência por furto de água. Pode ainda ter multa no valor de até R$ 2,1 mil.
Energia elétrica – A quantidade de energia elétrica furtada em Mato Grosso está acima na média no Centro-Oeste. Enquanto o Estado perde 7%, a região está na casa dos 5%, de acordo com informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A Centrais Elétricas Mato-grossenses (Cemat) estima que haja 15 mil "gatos" (60% do total de irregularidades). Os "gatos" podem causar diversos problemas como sobrecarga no sistema elétrico ou variação de tensos, o que queima de eletrodomésticos, choques e até incêndios, além do desperdício de energia.
A Cemat conta com um departamento chamado "Recuperação de Energia", que serve para combater essa prática. Segundo o último dado, foram 260 inspeções este ano. O departamento, junto com agentes da Polícia Civil, realizou uma operação há algumas semanas de combate ao problema. Um comerciante do bairro CPA, em Cuiabá, foi preso. Ele é proprietário de um mercado na região, é reincidente e a conta de energia apresentava 50% do total que havia consumido.
Outro município que apresenta os "gatos" na energia é Várzea Grande. O desvio é feito por profissionais que substituem o lacre que fica no padrão de energia, próximo ao relógio. O trabalho custa em média R$ 100 e a "garantia" é para uma redução de 50%.
Isso nos modelos antigos. Atualmente, parte dos municípios contam com o relógio de medição nos postes elétricos, em um local mais alto. A mudança acaba dificultando as manobras ilegais. Com os frequentes combates realizados pela distribuidora, a intenção é reduzir para 4% o índice de perda por "gato".
Esta também é uma preocupação nacional, já que muito dinheiro está envolvido. A Aneel informou que, ano passado, o país teve um déficit de R$ 7,8 bilhões com esses desvios irregulares, ou seja, 23.239 gigawatt/hora.