O jornalista Luiz Amaral, autor de 4 livros sobre jornalismo, foi homenageado no VII Congresso Nacional de História da Mídia, realizado recentemente, em Fortaleza (CE), organizado pela Associação Brasileira de História da Mídia. Um dos temas abordados foi "Tradições e Fronteiras" pelo professor Luiz Arthur Ferraretto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que apresentou a tese "De Washington, Luiz Amaral", traçando a trajetória profissional do veterano jornalista e radialista, que é um dos mais conceituados, desde o seu início nos "Diários Associados", no Rio de Janeiro, até os últimos anos na Rádio "Voz da América, em Washington (DC) de onde também gerou, na década de 90, notícias para emissoras de rádio em Cuiabá, Sinop -cidade que visitou e fez palestras sobre suas obras jornalísticas-, e atualmente também é colaborador de Só Notícias. Luiz Amaral é considerado uma das principais referências no jornalismo tanto para acadêmicos quanto para profissionais que atuam em jornais, emissoras de tv, rádio e na mídia on line.
Ferraretto ressaltou a contribuição pioneira de Luiz Amaral ao ensino do jornalismo no Brasil com os livros "Jornalismo, matéria de primeira página" e "Técnica de Jornal e Periódico" – e outros trabalhos como "Esses repórteres…" e "Objetividade jornalística", todos publicados pela editora "Tempo Brasileiro", do Rio de Janeiro.
“De Washington, Luiz Amaral”
Luiz Artur Ferraretto
Recuperação histórica da trajetória de Luiz Amaral, jornalista e radialista com passagens por publicações como O Jornal, Jornal do Commércio, Última Hora e Revista da Semana e pelos serviços para o Brasil da Emissora Nacional Suíça, em Berna, e da Voz da América, em Washington. Um dos pioneiros na produção de textos voltados à formação de jornalistas, Amaral escreveu obras básicas como Jornalismo, matéria de primeira página e Técnica de jornal e periódico. Ao longo de cinco décadas de carreira, acompanha momentos significativos da imprensa brasileira e internacional.
Três décadas atrás, quem inicia no jornalismo e começa, com ouvidos profissionais, a acompanhar o rádio brasileiro acostuma-se, na época, à precisa inflexão do baiano Luiz Gonzaga Figueiredo do Amaral, o Luiz Amaral das transmissões em português da Voz da América, emissora oficial do governo dos Estados Unidos. É a época do não. Nos anos 1980, tão próximos pelo calendário e tão distantes pela tecnologia e pela velocidade das mudanças em todos os níveis, não há internet, o mundo não está globalizado, o celular não passa de uma curiosidade de feira de inovações, não se elege pelo voto direto o presidente do país e a Guerra Fria não é ainda uma realidade pretérita. Nas emissoras de rádio do país, independente de estado e até das regras da concorrência, uma voz frequente traz notícias da América do Norte. Vem por telefone e é gravada em fitas magnéticas de ¼ de polegada. No Brasil, aos estudantes de Jornalismo mais idealistas e no espírito de seu tempo, o da retomada da normalidade democrática, algo esquerdistas, os boletins emitidos do centro político do capitalismo mundial têm um duplo significado. Chamam a atenção pela honestidade em uma estação de governo, resposta ocidental às irradiações vindas do outro lado da chamada Cortina de Ferro, uma linha imaginária a separar o mundo de cá do de lá, o dos comunistas. Na assinatura, aparece – quase um carimbo, uma marca… – um nome, o de Luiz Amaral, o mesmo dos livros, das bibliografias de disciplinas, ao lado de outros autores, como ele pioneiros e, então, na prática, únicos, Luiz Beltrão e Mario Erbolato.
Ao completar 80 anos no dia 11 de novembro de 2009, Luiz Amaral, este baiano de Ilhéus radicado nos Estados Unidos desde 1984, pode olhar para trás e reviver uma trajetória humana e profissional que passa por publicações como O Jornal, Diário da Noite, Última Hora, Revista da Semana e Jornal do Commercio, todas no Rio de Janeiro, sem contar uma passagem pela Rádio Quitandinha, de Petrópolis, e as longas temporadas no exterior nos serviços em português e para o Brasil de Emissora Nacional Suíça, em Berna, e na Voz da América, em Washington. Fora isto, há ainda a produção de livros, alguns integrando há décadas as bibliografias de cursos universitários: Jornalismo, matéria de primeira página (1966), Técnica de jornal e periódico (1968), Esses repórteres… (1994) e A objetividade jornalística (1995).
Quando Luiz Amaral começou a trabalhar em O Jornal, no Rio de Janeiro, em 1952, a imprensa, de modo específico, e a comunicação, em geral, não haviam ascendido, ainda, ao patamar de indústria cultural. Mesmo assim, como registra Marialva Barbosa (2008, p. 254), a então capital federal conta com 18 diários, 13 deles matutinos e cinco vespertinos, com uma tiragem de 1.245.335 exemplares, ou, em números absolutos, 20% do total publicado no país. Uma aura romântica ronda as redações: máquinas de escrever rescendendo a óleo de engrenagens e tinta da fita preta sobre a qual, matraquear incessante, tipos vão decalcando, no papel, letras, formando palavras e, estas, períodos, parágrafos…., tudo dividindo espaço com muitos e muitos cafezinhos, cinzeiros cheios de pontas de cigarro, discussões acaloradas e noitadas. Os textos, em sua grande maioria, remetem a uma maior pretensão literária; e há profissionais para responder a esta demanda com cultura e habilidade ímpares no uso do vocabulário. A primeira página de muitos jornais segue reservada ao noticiário internacional. Não raro, manchetes, títulos, textos, fotografias e legendas misturam-se quase ao acaso. O rádio, com suas novelas, humorísticos e programas de auditório, predomina como veículo eletrônico de massa, embora, aqui e ali, já apareçam umas poucas estações de televisão. Reformas e transformações, no entanto, já estão em curso. É, de fato, uma época de transição. E Luiz Amaral, produzindo textos jornalísticos ou manuais de cunho acadêmico, será participante importante destes processos, da grande modernização da imprensa brasileira nos anos 1950 e 1960. É ele que descreve o cenário de quando inicia a carreira em O Jornal, o matutino líder dos Diários e Emissoras Associados, o grupo de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo:
A imprensa carioca vivia mais uma fase de efervescência. Havia O Jornal e o Diário da Noite, dos Associados. Sem falar em O Globo, liderando como sempre; no Correio da Manhã, de Edmundo Bittencourt, presença marcante no jornalismo brasileiro; no Diário de Notícias, de Orlando Dantas; e nos jornais populares O Dia e Luta Democrática, este último com as manchetes de Carlos Vinhais que gritava como um desesperado quando na hora do fechamento do jornal ainda não tinha assunto para o título principal: “Um cadáver, quero um cadáver, estou sem manchete!”.
O Rio atraía muitos talentos dos estados. Veja só. O Diário Carioca pontificava com os editoriais de José Eduardo de Macedo Soares e revolucionava o jornalismo brasileiro com a importação do lead americano, já conhecido de muitos jornalistas brasileiros (Gilberto Freyre, no Recife, e Nóbrega da Cunha, no Rio de Janeiro), mas implantado com determinação por Pompeu de Souza. Do Diário Carioca se propagou a todo o país. Em 1949, Carlos Lacerda fundava a Tribuna da Imprensa, inovando as técnicas de redação. Em 1951, Última Hora, de Samuel Wainer, revoluciona em termos de redação, diagramação, cores e salários. Em 1952, chega a Manchete às bancas.
Pontificava ainda a revista O Cruzeiro que, em 1954, batia recorde de tiragem com os 720 mil exemplares da cobertura do suicídio do presidente GetúlioVargas. (Amaral, 2009).
Na política, domina o nacionalismo de Getúlio Vargas, defendido, na imprensa, pela Última Hora, de Samuel Wainer. Contra a publicação e o presidente da República, há, em especial, os Diários e Emissoras Associados e a Tribuna da Imprensa. Lá fora, o mundo vive a Guerra Fria, que também passa pelos veículos de comunicação, as emissoras em ondas curtas dos governos ocidentais contra as do outro lado da Cortina de Ferro, diversos serviços brasileiros em português, operando em várias delas:
Em 1952, como outros profissionais da época, Luiz Amaral começa a dividir seu tempo entre a Faculdade de Direito do então Distrito Federal e as redações. É Wilson Roveri, colega dos bancos universitários e jornalista em início de carreira, que desperta o interesse do jovem baiano de pouco mais de 20 anos para o dia-a-dia dos jornais:
As discussões dos problemas nacionais, o noticiário político e esportivo, as colunas, tudo me atraía. Empolgava-me a possibilidade de estar mais perto dos centros de poder, de saber como eram tomadas as decisões, de poder publicar informações e comentários (Amaral, 2009).
A respeito, o autor de Jornalismo, matéria de primeira página identifica em sua trajetória traços comuns à de outros profissionais: O jornalista, escritor e diplomata Gilberto Amado fala em suas memórias Mocidade no Rio e primeira viagem à Europa do perigo que o ameaçava, recém-saído da Faculdade de Direito do Recife, e do qual ele corria como o diabo da cruz: o perigo de ter de advogar. Colegas mais velhos, já em vias de prosperar na profissão, diziam-lhe: “Venha trabalhar conosco!”. (…)
Um deles perguntou:
– Que futuro pode ter você na imprensa? Literatura… Você está maluco?
Outro, ressabiado com uma resposta mais viva, exclamou:
– Bem… se você quiser acabar comendo empada em quiosque e tomando caninha na Colombo… isto é com você!
Gilberto conclui:
– Esse ficou rico logo, mas nunca o pude ver alegre. (Amaral, 1994, p. 7-8).
A alegria das redações seduz, portanto, Luiz Amaral, no início dos anos 1950. Para a de O Jornal, leva também uma sólida formação, que vem de berço, o de baiano, do povoado de Rio do Braço, município de Ilhéus, das plantações de cacau. Na da família, o futuro jornalista crescera, com a mãe, dona Henriqueta, contrabalançando, com livros e incentivo ao estudo, a ausência do pai, Antônio, precocemente falecido, vítima das febres do Sul da Bahia. Dela, as primeiras influências literárias, a fazenda transformando-se – pó de pir-lim-pim-pim? – em Sítio do Pica-pau Amarelo e o povoado em Arraial dos Tucanos, da obra de Monteiro Lobato. Preferências maternas passando ao filho, a prosa do maranhense Humberto de Campos e a do paraibano José Lins do Rego. E poesias para que Amaral sempre as tenha na memória: Casimiro de Abreu – “Eu me lembro, eu me lembro, era pequeno…” –, Raimundo Correia – “Vai-se a primeira pomba despertada…” –, Francisco Otaviano – “Quem passou pela vida em brancas nuvens…” –, Castro Alves – “Senhor Deus dos desgraçados, dizei-me vós, Senhor Deus!…”[2]. Na Ilhéus, que recebe o garoto de 10 anos para que dê continuidade aos estudos, a guerra na Europa vai chegando pelas páginas do Diário da Tarde, publicado ali mesmo, e de A Tarde, de Salvador.
É por intermediário de um conterrâneo ilustre que Luiz Amaral inicia-se na profissão. O jornalista e escritor Adonias Filho, à época envolvido com o lançamento do livro Memórias de Lázaro, atendeu prontamente ao pedido daquele jovem estudante de Direito, como ele natural de Ilhéus, escrevendo de punho um bilhete para Frederico Chateaubriand, o Fred, sobrinho do então poderoso proprietário dos Diários e Emissoras Associados:
Cheguei ao O Jornal com a apresentação para o Fred Chateaubriand. Entreguei o bilhete no dia seguinte ao Fred. Ele leu e perguntou que seção eu preferia. Eu disse: “Esporte” (eu era doido por futebol). Naquela época, as portas de entrada eram geralmente Esporte ou Polícia. Ele soltou um grito lá para o fundo do salão: “Zé Araújo!”. O José Araújo era o chefe do Esporte. Zé veio rápido: “Este menino aqui está querendo trabalhar no Esporte… Vê se ele dá pra isso…” Acompanhei o Zé até a mesa dele e ele perguntou: “Qual é seu time?”. “Fluminense…”, respondi. “Começou mal, eu sou Vasco”, disse ele rindo. (Amaral, 2009).
Luiz Amaral, nesta primeira incursão como jornalista, vai demonstrar as características que ele próprio, anos depois, citaria como essenciais para um bom cronista esportivo: “especialização (o que pressupõe certo amor ao esporte) e uma redação leve, suave, fácil, com lugares para a gíria e o modismo, empregados em doses racionais” (Amaral, 1982, p. 110). Apesar da paixão pelo futebol, Amaral não vai se limitar à cobertura esportiva. É assim que, na manhã de 24 de agosto de 1954, acompanha, como repórter, os desdobramentos do suicídio do presidente da República, Getúlio Vargas:
Assim que tomei conhecimento do suicídio pelo Repórter Esso, da Rádio Nacional, fui para O Jornal, na rua Sacadura Cabral, perto da praça Mauá, não sendo fácil furar o bloqueio nas cercanias do Palácio do Catete, naquele momento cheio de gente. Eu morava perto do palácio, na rua das Laranjeiras, a menos de uma quadra do Largo do Machado, e estudava na Faculdade de Direito da rua do Catete. No jornal, ninguém ficou limitado às suas funções normais. Voltei ao Catete e juntei-me à multidão que chorava, xingava Carlos Lacerda, a UDN, esbravejava, ou manifestava com o silêncio a sua dor. O Rio sofria no último adeus ao “Velho”, ao “Pai dos Pobres”. O policiamento nas redondezas era intenso. Na entrada do palácio, ouvíamos as opiniões dos políticos e de gente simples e repassávamos por telefone para a redação, de um ou de outro boteco mais amigo. Redatores de plantão iam dando forma ao material e adiantando os textos. Um trabalho incessante. (Amaral, 2009).
Ao longo dos anos 1950 e 1960, Luiz Amaral passa por diversas redações, três delas – O Jornal, Diário da Noite e Jornal do Commércio – nos Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand. Não raro, vive ou se depara com as situações provocadas pelo empresário, uma das figuras mais polêmicas da imprensa brasileira. Na mesma pessoa, recordaria Amaral (1994, p. 22), “conviviam o jornalista e empresário exigente e o homem de casos, tiradas e rompantes”. No Diário da Noite, viveria uma situação comum nos vários veículos dos Associados:
Na década de 1950, ficava a critério de cada empresa pagar o décimo-terceiro salário. Naquele ano, o secretário do Diário da Noite, Wilson Aguiar, resolveu, à última hora, pagar. A redação se alvoroçou toda com a possibilidade de inesperado reforço de verba para a ceia de Natal e os presentes da meninada.
Chegamos à redação de manhã e confirmamos a notícia: não tem dúvida, o décimo-terceiro vai sair. Já tem 800 mil cruzeiros no Caixa. Só falta a ordem para a Contabilidade preparar os envelopes.
Todo mundo está excitado. O tempo vai passando e ninguém arreda o pé da redação na esperança de pôr a mão na massa. De repente, o fotógrafo Ângelo Regato chega nervoso e xingando:
– Não tem mais décimo-terceiro coisa nenhuma. O Chatô limpou tudo.
E diante do espanto geral:
– Ele pegou todo o dinheiro que tinha no Caixa para dar um presente a uma amante dele. (Amaral, 2009).
Apesar da prática de limpar o Caixa dos veículos dos Associados, na maioria das vezes por mero capricho, o lado jornalista e empresário de Chateaubriand sobrepunha-se, permitindo que, por exemplo, pela redação de O Jornal, circulassem profissionais como Fausto de Almeida e José Araújo, no Esporte; Doutel de Andrade e Murilo Marroquim, na política; Afrânio Melo e Theófilo de Andrade, na Economia, este último demonstrando amplos conhecimentos sobre o mercado de café, então principal item de exportação do país; Gessy Rangel e Jair Rocha, na Polícia; fora intelectuais, atuando como articulistas e do porte de Austregésilo de Athayde, Antônio Pinto de Medeiros, José Queiroz Campos e Valdemar Cavalcante.
No início dos anos 1960, Luiz Amaral começa, talvez sem se dar conta, um processo de reflexão a respeito das necessidades e dos rumos da profissão ao se candidatar para uma das duas bolsas anuais oferecidas pelo governo francês para brasileiros no Centre de Formation des Journalistes (CFJ), em Paris. Ali, durante um ano e pouco, faz um curso de aperfeiçoamento na escola fundada por Philippe Viannay e Jacques Richet, que, durante a ocupação alemã, haviam atuado na imprensa clandestina ligada à Resistência Francesa. Um pouco antes, quando se prepara para estudar no CFJ, leciona Técnica de Redação nos cursos organizados pela Associação dos Jornalistas Liberais do Rio de Janeiro. Vão se forjando, assim, as bases para que, nos anos seguintes, o jornalista dedique-se a colocar no papel suas experiências e conhecimentos com a finalidade de formar as futuras gerações de profissionais.
Assim, em 1966, a Edições Tempo Brasileiro, do Rio de Janeiro, lança o primeiro livro de Amaral, Jornalismo, matéria de primeira página. Na época, como o próprio autor salienta, era escasso o número de obras publicadas no país a respeito das práticas e do cotidiano da imprensa: Jornalismo como gênero literário (1958), de Alceu de Amoroso Lima; Introdução ao Jornalismo (1959), de F. Fraser Bond; e Iniciação à filosofia do Jornalismo (1960) e Técnica de Jornal – Teoria do Jornalismo (1964), ambos de Luiz Beltrão. Em uma época de poucos cursos universitários específicos de Jornalismo e quando algumas instituições de ensino optavam por uma formação mais ampla englobando áreas afins dentro do rótulo genérico de Comunicação Social, Luiz Amaral procura ensinar os princípios básicos da profissão:
O talento do jornalista é o estilo, a rapidez e a clareza. Ele tem uma folha de papel e um tempo muito curto no burburinho das salas de redação para expor as ideias dentro de uma ordem lógica, lembrar-se dos fatos com a maior exatidão possível e redigir o texto de forma tal que capte a atenção dos leitores. Não pode empregar mal uma palavra ou escrever uma frase cuja compreensão não seja imediata. É obrigado a ser rápido, claro e preciso. (Amaral, 1986, p. 51).
Jornalismo, matéria de primeira página ganharia, nas décadas seguintes, várias edições. A última delas, revista e ampliada, de 2008, dá vazão a uma preocupação constante de Amaral na contemporaneidade: a passagem do jornal do papel para os pixels, como o autor sintetiza:
A luta, agora, é com os sites, blogs, jornais online. Mas não vamos a exercícios de adivinhação trombeteando o Juízo Final, embora o susto dos jornais desta vez tenha sido para valer. A tecnologia é avassaladora. Diante da impossibilidade de competir com a internet, o jornal em papel não teve outra saída a não ser aliar-se ao inimigo, aproveitando a nova tecnologia para levar o seu material ao público. (Amaral, 2008, p. 27).
Com o sucesso de Jornalismo, matéria de primeira página, a Tempo Brasileiro sugere que Luiz Amaral escreva uma espécie de continuação. Assim, em 1968, chega às livrarias Técnica de jornal e periódico, obra que, além de conceitos e reflexões do autor, reúne uma série de textos literários e políticos sobre a imprensa. Estão ali desde lideranças como os africanos Jomo Kenyatta, do Quênia, e Kenneth Kaunda, da Zâmbia, até escritores brasileiros consagrados como Jorge Amado e Machado de Assis.
Na década seguinte, por sugestão do professor José Marques de Melo e aproveitando a experiência no serviço em português da Emissora Nacional Suíça, em Berna, Luiz Amaral produz o ensaio Meios de comunicação de massa suíços: quatro línguas pela unidade, publicado em 1977 pela Universidade de São Paulo. Nos anos 1990, radicado então nos Estados Unidos, o jornalista remexe memórias e escreve Esses repórteres…, lançado em 1994:
Uma maneira de contar causos (todos verdadeiros) que de certo modo amenizaram a minha luta diária nas redações ou nas ruas em busca de notícias. Isso eu vi, isso me contaram, conforme diria Pero Vaz de Caminha, nosso primeiro cronista. Espécie de hora do recreio… (Amaral, 2009).
Ao lançar o livro em Porto Alegre, Amaral é convidado pelo presidente da Associação Rio-grandense de Imprensa, Antônio Firmo de Oliveira Gonzalez, para que produza um novo livro. Assim, no ano seguinte, lança A objetividade jornalística:
A questão é saber se é possível, e em que grau, o ser humano descrever as coisas como elas realmente são. Independentemente da relação que temos com elas. É saber se, de fato, a objetividade é um caminho para a verdade e a realidade. (Amaral, 1996, p. 18).
Como característica central a unificar a sua produção intelectual, Luiz Amaral demonstra em cada uma destas obras uma grande preocupação com a formação dos futuros profissionais, preocupação esta resumida por ele neste trecho de uma entrevista à Rádio Bandeirantes AM, de Porto Alegre, quando do lançamento de Esses repórteres…:
Um conselho um tanto idealista aos estudantes de Jornalismo, porque nós estamos vivendo em uma época de tanta coisa prática, de interesse imediato… É ler, ler bastante, sobretudo autores brasileiros como Erico Verissimo, Mário Palmério, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, autores que lhes deem uma compreensão maior da realidade brasileira, do que é o Brasil. (…) O segundo: trabalhar o português, trabalhar o idioma, que é o instrumento do jornalista. Eles têm de se aprimorar cada vez mais, serem ousados, ter muito patriotismo. Defender este país. Porque a responsabilidade do repórter é muito grande. Às vezes, ele não se dá conta da importância do que faz. Falamos e escrevemos sem saber que aquilo pode influenciar as pessoas. Quem lê, ouve ou assiste, lê, ouve ou assiste predisposto a acreditar naquilo. (Rádio Bandeirantes AM, set. 1994).
De certa forma, o conselho de Luiz Amaral aos novos profissionais tem como exemplo as atitudes dele próprio, exemplificadas em seus livros: texto correto, pleno de experiência e de fundamentação cultural, de onde se depreende muita leitura e preocupação com o futuro do Jornalismo, assim mesmo com maiúscula.
Anos depois de uma rápida passagem pela Rádio Quitandinha, de Petrópolis, Luiz Amaral retornaria ao veículo, mas em outra escala. Não se trata mais de acompanhar os fatos na cidade serrana fluminense ou na então capital federal, o Rio de Janeiro. De 1970 a 1979, a voz do jornalista baiano vai servir à divulgação cultural e informativa do serviço em português para o Brasil da Société Suisse de Radiodiffusion et Télévision, em Berna. Na Emissora Nacional Suíça, Amaral participa dos programas irradiados às 12h15 e às 20h, horário de Brasília:
A contratação ocorreu com a passagem do diretor Joel Curchod pelo Rio de Janeiro em busca de jornalistas. Fui um dos entrevistados. Curchod vinha de um estágio na BBC, de Londres, e tinha preferência por notícias e reportagens. Os assuntos eram geralmente da livre escolha dos jornalistas, a quem era dada uma certa dose de liberdade. Viajava-se muito pelos cantões levantando assuntos e entrevistando gente. Os deslocamentos eram por trem (primeira classe) ou carro dirigido por técnicos da radio ou pelo próprio jornalista (…). Lá, tive oportunidade de trabalhar com repórteres rastreadores, de bom texto e boa presença ao microfone: Jota Pedro Correia, natural de Santa Catarina; Gabriel Barbosa e Tarcísio Lage, ambos de Minas Gerais; e Carlos Ceneviva, de São Paulo. (Amaral, 2009).
Aproveitando a estada na Europa, Luiz Amaral estuda Sociologia da Comunicação no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, em Lisboa, sob a direção do professor-doutor José Júlio Gonçalves.
Em 1979, ensaia a troca da Emissora Nacional Suíça pela Voz da América, do governo estadunidense. No entanto, a situação economicamente desfavorável que encontra em Washington e a vontade de voltar ao Brasil fazem com que aceite um convite para trabalhar na Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em menos de um mês, troquei a Giacomettistrasse[3], de Berna, pela ilha de Bananal. Período rico em experiências, muitas viagens pelas reservas indígenas, contatos com os índios. Uma descoberta encantadora do Brasil profundo. Contato com dezenas de tribos e muitas lições de vida. Talvez os que mais me impressionaram foram os fulniôs, de Águas Belas, Pernambuco, os únicos índios brasileiros que conservam viva e ativa a sua língua original, embora já meio aculturados. Inteligentes, alegres e bons músicos – tocam vários instrumentos e têm orquestra própria muito procurada pelos festeiros da região. A ressaltar, em todas as tribos, o carinho com as crianças, a maneira de tratar os xerimbabos (animais de criação e estimação considerados pelos índios entes da família), a convivência com a floresta… (Amaral, 2009).
Em 1984, novo convite da Voz da América, desta vez em bases mais favoráveis economicamente, leva o jornalista de volta ao rádio e de volta a Washington. Na capital dos Estados Unidos, Luiz Amaral vai acompanhar, em especial, os governos de Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton e George W. Bush, tendo por pano de fundo o processo que leva ao término da Guerra Fria e o rearranjo das forças mundiais após a dissolução da União Soviética, razão maior da própria existência dos serviços em outros idiomas mantidos pela rádio do governo dos Estados Unidos. Fora isto, há uma nova realidade tecnológica:
Esta segunda estada coincidiu com a utilização do satélite o que viria provocar mudanças no dia a dia do serviço brasileiro. A queda de audiência das ondas curtas levou à procura de emissoras brasileiras dispostas a transmitir diretamente material produzido e apresentado em Washington. Tal foi o caso do programa Sábado Alegre, de Dácio Arruda, com participação de todo o elenco, transmitido pela Radio Bandeirantes.
A experiência deu resultado e passamos a fazer noticiário para outras emissoras brasileiras. A cliente mais regular era a Super-Rádio, de Brasília, de Mário e Lúcia Garófalo (…). Outras emissoras recebiam noticiário em base diária, ou não, inclusive CBN, do Rio (RJ); Anhanguera, de Goiânia (GO); Sociedade, de Salvador (BA); Celeste, de Sinop (MT); Mirante, de São Luiz (MA); Clube, de Ribeirão Preto (SP); Tabajara, Sanhauá e Cidade Verde, de João Pessoa (PB); Gazeta, de Maceió (AL); Sampaio, de Palmeira dos Índios (AL); Gazeta, de Cuiabá (MT)… (Amaral, 2009).
Para várias destas emissoras, a participação diária de Luiz Amaral e de seus colegas – Dácio Arruda, Gláucio Veloso, José de Mara Nogueira, José Roberto Dias Leme, Luiz Edmundo, Nélio Pinheiro, Pedro Kattah, Ricardo Gardeazabal, Ricardo Lessa… – torna-se importante diferencial em termos de programação. A importância é tanta que, pelas intervenções no programa apresentado pelo radialista França Moura, na Rádio Gazeta, em Maceió, o jornalista acaba recebendo o título de cidadão da capital alagoana. Na Voz da América, outro reconhecimento à qualidade do seu trabalho: em 1988, recebe os prêmios mensal e anual Excellence in Programming, na categoria de roteiro original, pelo programa Confederados em Santarém, baseado em livro homônimo de Norma de Azevedo Guilhon, narrando a trajetória dos derrotados da Guerra Civil, que deixaram o Sul dos Estados Unidos para se estabelecerem na confluência dos rios Amazonas e Tapajós:
A selva os absorveu. A descendência se espalhou por todo o Brasil. A Guerra Civil foi um desgraçado período de violência e desordem sem precedentes na história dos Estados Unidos. Para muitos, só havia uma saída: emigrar, adotar uma nova pátria à sombra da bandeira do Brasil, em Santarém à beira do formoso Tapajós. (Amaral, 1988).
No entanto, à medida que o século 21 aproximava-se – e com os Estados Unidos como única superpotência mundial –, as verbas para a Voz da América, em especial para os serviços em outros idiomas, iam minguando. Assim, no primeiro semestre de 2001, registrava a revista Veja:
O Brasil está prestes a ouvir o último som da Guerra Fria. Às vésperas de completar quarenta anos de transmissões diárias, o serviço brasileiro da Voz da América será desativado até agosto. O motivo do encerramento é o mesmo que levou o governo dos Estados Unidos a criá-lo, em 1941, durante a II Guerra: a necessidade de conquistar corações e ouvintes em países considerados essenciais para a diplomacia americana. Os recursos poupados com o fim do serviço brasileiro e de outros nove, quase todos em antigas repúblicas soviéticas, vão alimentar cinco novos serviços em língua árabe para serem ouvidos em lugares nos quais os Estados Unidos são vistos como vilão.
As transmissões em português do Brasil já tinham sofrido uma série de golpes. O primeiro foi o fim da Guerra Fria, que tornou obsoleta a propaganda ideológica gerada em Washington. Outro foi a aposentadoria dos aparelhos de rádio de ondas curtas, transformados em peça de museu pelo avanço tecnológico das transmissões por satélite. (Veja, 18 abr. 2001, p. 73).
Em 1994, informa a mesma reportagem, aos cessarem as transmissões em ondas curtas, 45 emissoras nacionais veiculavam os boletins gerados em Washington, além do editorial com a opinião do governo americano. Desde então, dos 20 jornalistas contratados no serviço brasileiro, restariam apenas nove, todos dispensados até o final de 2001, Luiz Amaral entre eles.
Considerações finais
Ao olhar para trás e refletir sobre os caminhos da comunicação e de seus veículos, mesmo afastado dos microfones e das redações, Luiz Amaral mantém, ainda, ao completar oito décadas de vida, duas preocupações básicas: uma com o futuro da profissão e outra com a formação dos jornalistas. Escolado nas passagens pelos Diários e Emissoras Associados, por estações de rádio de governos estrangeiros mais voltadas à divulgação cultural como a Emissora Nacional Suíça ou mais para a defesa de interesses políticos como a Voz da América, o baiano de Ilhéus faz um balanço crítico da imprensa no final desta primeira década do século 21:
O que preocupa críticos e historiadores da imprensa, no momento, é o domínio exercido pelas grandes corporações, fato que não é novo, mas que se acentua a cada instante. De certo modo, os meios de comunicação comportam-se como meros porta-vozes de poderosos grupos internacionais, deixando pouco espaço para críticas. As agências internacionais de notícias comandam o espetáculo. Vemos o mundo com olhos alheios. O desenvolvimento das atividades de relações públicas estreitou ainda mais o funil do comentário crítico. O que chega ao leitor já foi filtrado e peneirado de tal modo que chega com sabor totalmente alterado, ou sem sabor algum. O jornal on-line, os blogs, a sinergia, a ajuda mútua de empresas do mesmo conglomerado, uma apoiando as outras, alterou o panorama do que é atirado ao público pelos meios de comunicação. (Amaral, 2009).
Dá um conselho não menos valioso aos novos profissionais, reforçando a necessidade de leitura, de base cultural:
É importante um profissional da área ter, além de uma graduação numa área qualquer, conhecimento da língua, da história e da literatura do seu país de origem. Aconselharia uma estante com autores do Rio Grande do Sul ao extremo Norte. Nunca é demais citar Sérgio Buarque de Holanda (…), Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Joaquim Nabuco, Gilberto Freyre, Érico Veríssimo, Inglês de Souza, José Lins do Rego, Jorge Amado, Adonias Filho, José Américo de Almeida… E me perdoe- a falha de memória, faltam muitos, muitos nomes, bem sei. (Amaral, 2009).
Leitor infatigável, de seu apartamento nas cercanias de Washington, o garoto, que fantasiava folguedos infantis na plantação da família em Rio do Braço ou folheava livro após livro sob o olhar da mãe na Ilhéus dos anos 1930 e 1940, segue atento. O profissional de quase seis décadas sabe das dificuldades, mas ainda olha o futuro com as mesmas esperanças de quando entrou na redação de O Jornal em meados do século passado:
Sem uma boa dose de fé e de esperança não é possível sobreviver num mundo prenhe de promessas e poucas realizações. Que a crença no mundo melhor sirva de estímulo para um trabalho sério feito com devoção e amor ao próximo. O repórter americano, Stephen Smith deixou a Spokesman review dizendo que o jornalismo que é importante para ele já não é mais possível. “É tempo de deixarmos de nos abrigar atrás de salários, bônus e pensões, e de dizer o que é preciso dizer.” (Amaral, 2009).
E lembra emoções. Ordens e decisões de Assis Chateaubriand, coberturas das realizações de Juscelino Kubitschek, entrevistas com Jorge Amado, Calasans Neto, Mário Quintana, Câmara Cascudo, Tancredo Neves e “uma infinidade de gente anônima que marcou presença diante do sofrimento e da vida” (Amaral, 2009). Um jornalista que deixando de lado o fato de ter formado com seus escritos gerações de profissionais, contenta-se em ter, por prêmio maior, o próprio exercício de suas funções em jornais, revistas e emissoras. E relembra o amigo, poeta e intelectual angolano Óscar Ribas, em carta recebida com data de 13 de novembro de 1991, citando Sonho, versos escritos dias antes:
Que embriaguez neste sonho permanente!
Pasmo de mim, pasmo de residência,
Pasmo da autenticidade envolvente!
Como nos aturdes, ó existência! (Ribas, 13 nov. 1991).
Luiz Amaral, com seu trabalho, soube mesmo descrever, para o público, os encantos e os desencantos da existência e, para os que lendo seus livros fizeram do jornalismo um objetivo de vida, os encantos – e, permitam esquecer, aqui, os desencantos – da profissão. Destes últimos, de fato, e sabe bem Amaral, não vale a pena a menção.