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Vida empilhada

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O grande poeta Mário Quintana(tão grande que não coube na Academia de Letras) escreveu, certa vez:
Onde estão os meus verdes?
Os meus azuis?
O arranha-céu comeu!
E ainda falam nos mastodontes, nos brontossauros, nos tiranossauros,
Que mais sei eu…
Os verdadeiros monstros, os Papões, são eles, os arranha-céus!

Pensei na poesia de Quintana quando visitei, nas férias, minha cidade da juventude, onde os monstros estão substituindo os verdes e encobrindo o azul do céu. Prá que tanto concreto, meu deus?(perguntaria Drummond). Porém os olhos das construtoras, das imobiliárias, não perguntam nada. Aqui na capital, onde moro, olho à distância para um bairro chamado de Águas Claras. Nome enganoso! Os prédios sobem até quase o trigésimo andar. Parece Manhattan, vista de longe. E as águas das chuvas, que sempre deram equilíbrio ao cerrado já não têm por onde escorrer e invadem escuras as garagens dos sub-solos. Fico imaginando para onde se escoam os dejetos de tanta gente empilhada. O que ouvem do vizinho ao lado, em cima; que barulhos fazem para o vizinho de baixo, com o salto-alto das mulheres e o arrastar de brinquedos das crianças.
Crianças? Que perigos lá em cima! Nem conhecem um quintal, coitados, para se besuntarem de terra molhada, para subirem na laranjeira, para comerem goiaba com bicho e se imunizarem. Lá no alto, telas nas janelas, grades nas sacadas, os pobrezinhos vão se acostumando a prisões. E para chegar ao arranha-céu? Quatro famílias por andar, vinte andares, oitenta apartamentos, duzentos carros. Onde estacionar? 500 prédios assim já entopem os acessos por asfalto. Ah, esses monstros, esses Papões!

Por que as nossas cidades, de casa-jardim e quintal resolveram se transformar, derrubando a qualidade de vida? Ter apartamento é se contentar com fração ideal em lugar de ter um pedaço de chão, uma fração real da cidade. Alguns alegam segurança, como se os grandes prédios estivessem imunes a arrastões – os assaltantes já descobriram que assaltar um prédio é de grande produtividade. Outros pensam que ter edifício é questão de prestígio, imitar cidade-grande. As construtoras agradecem. Mas veja aonde mora a maioria da população dos Estados Unidos e da Europa: em casa. Por que não nos sentimos tentados a imitar o primeiro mundo?

Em muitos municípios, o legislativo local estabelece limites, um gabarito. Em outros, o gabarito é superado pela pressão dos incorporadores imobiliários. Pois na nossa maior cidade, São Paulo, parece que as pessoas estão voltando ao chão: 44% dos novos empreendimentos são de prédios de até cinco andares – e a maioria deles sobrados, com direito a quintal para o andar de cima. Estão recuperando o verde e o azul.

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