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Tragédia ou farsa

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Alexandre Garcia

Há 90 anos, em 19 de agosto de 1934, o chefe de governo da Alemanha, ou chanceler, Adolf Hitler, ao morrer o chefe de estado, o Presidente Von Hindenburg, decidiu assumir também a chefia de estado – e se intitulou Führer – o condutor.  A partir de então todos conhecemos a história. Passou a ser condutor, legislador, dono das vidas, propriedades e direitos de todos. E levou a Alemanha para sua maior tragédia. Outro alemão, Karl Marx, já havia avisado que, quando a História se repete, produz tragédia, e na segunda repetição, gera apenas uma farsa. Passados 90 anos, muitos homens públicos, tomados pelos seus desejos e carências pessoais, continuam a gerar, sobre seus semelhantes, tragédias e farsas.

Aqui no Brasil, sem que tenhamos nos dado conta de quantas dessas figuras já povoaram nossos dias, continuamos testemunhando esses condutores do país, a nos levarem a lugar nenhum. Desde que nasci, convivi com alguns. Terminaram em tragédias, como Vargas, ou farsas, como Jânio. Agora estamos vivendo mais um capítulo de nossa história, outra vez com a Constituição desprezada, como em tempos do ditador Vargas, e com caraterísticas de comédia, como nos rompantes de Jânio. E vamos repetindo, como se fosse a primeira vez, como se fosse uma novidade que surgiu do nada. Na verdade, surgiu da nossa complacência de deixar que os tais homens públicos decidam, com a suas decisões emocionais, os nossos destinos, de nossa família, de nossas empresas. Somos a massa de manobra que eles usam, para fingir que falam e agem por nós.

Logo depois do grito da Independência, fizemos uma Constituição. Durou até a da República. Os paulistas morreram por Constituição; Vargas fez e desfez a magna carta; os militares de 1964 precisaram da de 1967 e editaram o AI-5. E nós fizemos a cidadã, de 1988. Quem a desrespeitasse seria traidor da Pátria, como amaldiçoou o Doutor Ulisses. Nossos direitos e liberdades alicerçaram-se nela. “Censura nunca, cala-boca já morreu; quem for pessoa pública tem que aceitar crítica e sátira”. Beleza de democracia! Só que não. Quem precisava zelar pela Constituição foi quem permitiu desprezá-la. Quem jurou defender a Constituição, como Presidente da República, não reage, não a defende. 

Agora estamos à mercê de uma única pessoa, o presidente do Senado. Da decisão monocrática do Presidente do Senado, para “voltar aos quadros constitucionais vigentes”, como eu tanto ouvi em 1955, na minha adolescência. Desrespeito à Constituição não é novidade para quem nasceu em 1940, mas continuo querendo respeito, porque a Magna Carta é o marco civilizatório de uma nação. Fora dela é nação fora-de-lei, lei da selva, campo aberto para um Führer ou Duce – um condutor, vista toga ou farda. De Gaulle não disse, mas a frase atribuída a ele – de que não somos um país sério – é verdadeira enquanto não tivermos o devido processo legal, o respeito aos direitos e garantias fundamentais, a liberdade de informação e de expressão, a vedação à censura e a inexistência de ambiente para surgirem “condutores” que nos conduzam à tragédia.

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