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Raiva na volta

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Estou na Toscana, rodando entre vinhedos e oliveiras e os coloridos campos primaveris desta região da Itália. Estradinhas rurais, todas asfaltadas e sem buracos. Dirijo há dez dias, inclusive em Roma, e não encontrei congestionamento em lugar algum. Na autostrada, uma advertência que falta no Brasil: Sua vida vale mais que um SMS. No exterior a gente percebe mais as mazelas com que estamos acostumados a conviver. Não vi lixo, não senti mau-cheiro, caminhadas noturnas em ruelas escuras e nenhuma insegurança. Já exploramos a pé quase dez belas cidades e, é claro, nada encontrei que lembrasse algum tipo de favela. E meus colegas jornalistas dizem que a Itália está em crise. Constatações nada diferentes do que tenho observado todos os anos no bom, relaxante, enriquecedor e restaurador tempo de férias.

Fui a Norcia, na Umbria, por causa do Brancaleone da Norcia. Os que viram o filme do Mario Monicelli sabem de que estou falando. Os que não viram, sabem agora o que estão perdendo. De Norcia, subi as montanhas Sibilinas – morada das lendarias Sibilas. Cobertas de neve a partir dos mil metros. Gente ainda esquiando, com três semanas de primavera e a despeito da Grande Mentira do Al Gore, sobre o aquecimento global. Em Spoleto, nos encantamos com as obras etruscas, romanas e medievais de engenharia. E, é claro, fomos rever Assis, ainda mais atraente depois que o encantador Papa adotou o nome de Francisco.
Já na Toscana, passei ontem por uma obra planejada no fim da Idade Média: um canal para desviar as águas de um tributário do Tibre, para que se tornasse afluente do Arno. Águas que iriam para Roma, provocar inundações, transferidas para a direção de Florença, fertilizando um extenso vale. Pois a obra foi realizada há duzentos anos. Ontem passei sobre o canal, desci do carro depois da ponte para fotografar. O canal de Chiana saneou e fertilizou o vale. Há duzentos anos. Dom Pedro ainda não havia declarado a Independência e o canal desviando águas de uma bacia hidrográfica para outra, já estava cumprindo suas funções. No Brasil, gente que não sabe disso, ao falar do desvio de águas do São Francisco, insiste no nunca antes – que soa divertido.

Daqui da janela do hotel em Montepulciano vejo as colinas da Toscana plantadas, arborizadas, coloridas por flores da primavera e, lá no fundo, o Lago Trasimeno, onde, 200 anos antes de Cristo, o cartagines Aníbal deu uma surra nos romanos, matando 16 mil legionários, mas não conseguiu chegar a Roma. Nos, brasileiros, por algum motivo, não conseguimos chegar, embora sonhemos com glórias romanas. Em PIB, estamos na lanterna dos Brics e no grupo de baixo dos latino-americanos, mas isso é nada perto de nossa precária qualidade de vida. E, daqui da Toscana, vou me convencendo de que não deveríamos viajar ao exterior. Porque na volta, ficamos com raiva. Com raiva de nós mesmos, pois somos os responsáveis pelos que elegemos e responsáveis pelo que somos e pelo que deixamos de ser.

 

 

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