Semana passada comemoramos os 203 anos de nossa independência, quando a Regente Leopoldina, em 2 de setembro de 1822, ouvido o Conselho de Estado, assinou o decreto que separou o Brasil do Reino de Portugal. O Príncipe Pedro estava em São Paulo e, cinco dias depois, ao receber a notícia, teria clamado um “Independência ou Morte”. Pedro Américo, 66 anos depois, imaginou e pintou o quadro que nos mostra uma cena clássica e majestosa. Em 1972, o grito foi “autenticado” por Tarcísio Meira, no filme de Aníbal Massaini e Carlos Coimbra. O movimento feminista perdeu essa dádiva da história, talvez porque a autora de nossa independência seja não do proletariado mas da nobreza austríaca. Ou talvez porque já tínhamos a mania de dar mais importância à propaganda que ao fato em si. Quem porque o historiador acredite que a espada é mais forte que a caneta. Restou nas bandeiras nacionais – e imperial e a republicana – o amarelo dos Habsburg de Leopoldina, abraçado pelo fundo verde dos Bragança.
A Constituição do Império, a mais duradoura que tivemos, foi escrita em nome da Santíssima Trindade; o povo só aparece na Constituição da República, de 1891. A partir disso, tudo foi feito no santo nome do povo. Em seu nome, alguns tinham o direito de votar em todas as eleições; outros só nas provinciais e outros só nas locais. E eleições eram fraudadas e a República envelheceu rápido: “velha república”. A Revolução de 30, que começou com um assassinato passional do candidato a vice de Getúlio, João Pessoa, não chegou a empolgar o povo, mas os gaúchos amarraram seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco. Em 1932 os paulistas se levantaram exigindo a Constituição que a revolução de Vargas derrogara. Em 1964, Igreja e jornais estimularam o povo, que encheu as ruas das capitais exigindo a derrubada de Goulart.
Agora as ruas estão cheias de novo, clamando de novo pela Constituição, liberdades e justiça. Os eleitos não conseguem manter o país com estabilidade/segurança pública, política, jurídica. Os meios de informação de massa sempre foram os grandes influenciadores da chamada opinião pública – que, na verdade, não era o povo, mas os que editam o que é publicado. Em 28.7.20, o então presidente do Supremo, Ministro Dias Toffoli, empolgado, proclamou que “nós somos editores de um país inteiro”. Ele se referia ao controle, ou censura, nas redes sociais, que deram voz a cada pessoa. Voz digital e universal. Não mais a voz que se resumia aos circunstantes, se não tivesse à sua disposição o papel impresso, o microfone, a câmera de TV. Finalmente o povo estava presente no Brasil, com voz – a voz digital. E, mais ainda, agora com um jovem santo padroeiro, São Carlo Acutis. Já não eram a Santíssima Trindade do Império, nem o povo sem voz da República.
A Geração Z, os que já nasceram na era digital, levantaram-se contra o governo esquerdista do Nepal, que quis calar suas vozes digitais que denunciavam corrupção. Queimaram os três poderes. Aqui, os antigos detentores da “opinião pública” sentiram a perda do poder de editar o Brasil. A reunião de pauta jornalística já não consegue escolher se o povo não pode saber que não havia povo na festa oficial do 7 de Setembro na Esplanada, porque a voz digital mostra a realidade. As redes também mostram mentira, sim, mas no minuto seguinte, a mentira já está desmascarada na própria plataforma do mentiroso. A liberdade, hoje, é a liberdade da voz digital. O presidente, no discurso do 6 de setembro, reforçou sua teimosia em censurar as redes para “proteger as crianças, evitar racismo, ódio, pedofilia, golpes”. Mas já existe o ECA e o Código Penal. São eficazes para conter crimes nas redes e ensejar indenizações – e para expor o desejo da censura política que contraria os artigos 5 e 220 da Constituição. Melhor levar democracia a sério, porque a origem do poder acompanha os fatos e as atitudes de seus servidores no estado brasileiro.