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Intolerância do bem

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Alexandre Garcia

Penso que um dos maiores momentos da cidadania ocorreu semana passada, quando o empresariado do pujante município gaúcho de Bento Gonçalves desconvidou o presidente do Supremo, Ministro Luís Fux. Haveria uma palestra-jantar no Centro de Indústria, Comércio e Serviços. O título da palestra seria “Risco Brasil e a Segurança Jurídica”. Um tema assim soou como um deboche, já que a Suprema Corte tem dado origem a essa insegurança. Hoje estou no Rio Grande do Sul e soube que isso também  pode ocorrer com o convite ao ex-presidente do Supremo, Ministro Dias Toffoli, em relação a uma palestra num evento em Gramado.

Ontem ao ser condecorado na Assembleia Legislativa, eu mencionei o episódio ao ocupar a tribuna. O orador anterior, deputado Macedo, fizera menção do incidente de Bento Gonçalves. Um incidente que saudei como intolerância do bem, porque a cidadania tem tolerado muito – e o exercício da passividade não é  exercício de cidadania. A tolerância tem encorajado avanços cada vez maiores na supressão de liberdades básicas. Lembro do julgamento da Presidente, presidido pelo chefe do Supremo, quando  rasgaram o parágrafo da Constituição que estabelecia oito anos de impedimento e todos ficamos calados. Nossa omissão autorizava atos futuros semelhantes. E vieram.

Sob o pretexto da pandemia, o Supremo deu poderes a prefeitos e governadores de ficarem acima de cláusulas pétreas da Constituição, que tratam de direitos e garantias fundamentais, e que só poderiam ser mudadas por uma nova constituinte. No entanto suprimiu-se o direito de ir e vir, de reunião e de culto. Antes já se havia suprimido a presença do Ministério Público, num inquérito criado pelo Supremo, em que a suposta vítima é a investigadora, é quem denuncia e julga e também executa a pena. O passo seguinte a esse “inquérito de fim do mundo” como o chama o Ministro Marco Aurélio, foi suprimir o artigo 220 da Constituição, que trata da liberdade de expressão em qualquer plataforma e veda qualquer tipo de censura.

Nosso silêncio, nossa omissão, foi autorizando a lenta substituição da Constituição por juízes constituintes. Estamos como o sapo que se sente confortavelmente aquecido na panela sobre o fogo. Por isso que o despertar da cidadania em Bento Gonçalves e agora em Gramado, pode ser interpretado como esperança de fim de paciência nessa tolerância servil. Em lugar da passividade, uma intolerância democrática, legalista, aos poucos se levanta e nos sacode a cidadania. Temos, na História Pátria, muitos exemplos de heróica exigência de cumprimento da Constituição. As vozes legalistas têm a força do Direito, para, dentro da lei e da ordem, sugerir que pensem na gravidade do que estão cometendo, aqueles que estão indo além de seus deveres e poderes. A força da democracia pode ser voz da intolerância cidadã.

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