domingo, 12/maio/2024
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Dividir ou conciliar

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Alexandre Garcia

No evento Democracia Inabalável apareceram duas correntes: a da conciliação como alternativa à polaridade radicalizada e a corrente da separação ainda maior, com punições, sem anistia, sem esquecer, agravando o apartheid de hoje. Pelo que se ouviu nos discursos, do lado da conciliação estão os presidentes do Congresso e do Supremo. Como se sabe pelo resultado das urnas, o país está dividido ao meio. Do lado que consolida a divisão, a governadora do Rio Grande do Norte e os presidentes do TSE e da República. Os conciliadores querem diálogo civilizado entre progressistas e conservadores, liberais e estatizantes, opositores e governistas; os separatistas sugerem que com os outros a forma de tratar é com a punição e censura.

O Presidente do TSE foi além, ao ver nas redes sociais o maior perigo para a democracia. Não lhe ocorre que as redes são democracia na sua essência. A ágora grega onde se debatiam as questões das cidades-estado agora está universalizada pela via digital. Cada pessoa tem voz para exercer seu poder, em lugar de depender de monopólios que lhe calavam e substituíam, a pretexto de falar pelo povo. Voz de cada um está garantida pelos artigos 5º e 220 da Constituição Cidadã. Se houver nas redes ofensa a direitos alheios, o Código Penal prevê, nos artigos 138 e 139: calúnia, injúria e difamação(resta aumentar as penas). Além disso, no art. 5º da Constituição, o inciso X estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, com direito à indenização por danos materiais ou morais.

Autoridades que vivem em palácios julgam que o povo precisa de tutor. Mas o mundo digital sabe como separar os mentirosos, os ardilosos, os mercenários, da mesma forma como o mercado afasta o mau produto. Cedo ou tarde o enganador é descoberto, exposto e excluído. Não é necessário um estado-tutor, para o que teriam que rasgar mais uma vez a Constituição. Protejam-nos dos bandidos das saidinhas, das audiências de custódia, dos corruptos, das leis lenientes, dos desvios dos agentes do estado; que dos farsantes nas redes sociais protegemo-nos nós. Porque será fatal para a democracia deixar nossa liberdade ao arbítrio de um tutor. Aliás, no evento falaram em não permitir impunidade, para evitar o retorno do crime. Espero que tenham falado no sentido amplo: não permitir impunidade também para os que praticam corrupção, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, omissão, prevaricação, advocacia administrativa, abuso do poder. 

Não ouvi reclamação contra o cancelamento de princípios da Constituição, num evento que se propunha a fortalecer a democracia. A Constituição se impõe com a punição dos fanáticos – ou ignorantes, ou mercenários – que destruíram artes, história, patrimônio público. Mas Constituição impõem-se também a todos. Numa democracia, não há nada nem ninguém acima da Lei Maior. Ouvi declarações grandiloqüentes e genésicas em defesa da Constituição, mas ninguém reclamou especificamente do encolhimento da liberdade de expressão, o cancelamento da inviolabilidade de deputados e senadores por quaisquer palavras; as agressões à liberdade de expressão sem anonimato, à liberdade de reunião sem armas, à vedação de qualquer tipo de censura, ao amplo direito de defesa, à proibição de tribunal de exceção, à exigência de juiz natural e do devido processo legal. Sem isso, democracia inabalável se reduz a um rótulo de evento. 

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