terça-feira, 1/julho/2025
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Cala a boca

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Alexandre Garcia

A Ministra Cármen Lúcia, nesses dias, deve ter sido alvo de xingações e sugestões para que o Senado a inclua na lista de pedidos de impeachment de ministros do Supremo. O motivo foi o voto a favor da censura, em que ela pontuou que “A grande dificuldade está aí: censura é proibida constitucionalmente, eticamente, moralmente, e eu diria até espiritualmente. Mas também não se pode permitir que estejamos numa ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos…”. Defendo que a Ministra tem pleno direito de expressar sua opinião, porque se eu defendo a liberdade de expressão, não posso defender apenas a minha liberdade, mas também a dos outros, ou eu seria um hipócrita; do contrário, eu estaria afirmando que eu posso falar o que quiser, mas a Ministra não pode. 

Mas discordo da Ministra por uma razão simples: se fossemos 213 milhões de tiranetes, se fossemos todos pequenos tiranos, não teríamos sobre quem exercer nossa tirania e seríamos todos iguais em poder, anulando-se mutuamente nossa dominação, que ficaria limitada a cada um de nós. Teríamos uma democracia de iguais tiranetes. A imagem que a Ministro expôs é irreal, por impraticável. Tão irrazoável quanto proclamar que “Cala a boca já morreu!”  e votar em uma fórmula que enseja a censura que Cármen Lúcia reconhece ser proibida na Constituição, na ética e até no espírito. Um paradoxo, que ela constatou como “uma grande dificuldade”. No dia 25 a Ministra votou de novo de maneira “excepcionalíssima”, como fizera ao censurar previamente um documentário do Brasil Paralelo.

Foi 8 a 3 a votação que anulou a vontade da maioria do Congresso, que há 11 anos aprovou os artigos 19 e 21 do Marco Civil da Internet. Os três divergentes – André Mendonça(em voto magistral), Nunes Marques e Fachin,  convergem em que quem redige leis é o Legislativo, o mais poderoso dos poderes. Os oito vencedores alegam que é preciso impedir mentiras, discursos antidemocráticos, de ódio, de golpismo. Sim, censurem para que sejamos enganados pelo mentiroso, já que ele não exporá antes suas mentiras e quando nos surpreender, já será tarde, porque estará eleito presidente da república. Ou quando formos massacrados pelo ódio, sem que o discurso de ódio nos prevenisse. Como vamos nos proteger de um golpista, se não pudermos ter acesso às suas intenções? Como vamos nos distanciar e isolar os pequenos tiranos, se não os identificarmos nas redes? Cidadania não precisa de tutela – tutor é dominador. Deixem que censuremos os mentirosos, não lhes dando leitura nem audiência.

Nessa decisão do Supremo, outro direito pétreo, a honra, vai ter que esperar ordem judicial para retirar a calúnia, a injúria e a difamação; para esses, não inventaram retirada rápida.  Mas uma crítica, um gracejo, uma ironia, uma sátira, estão sujeitos a retirada imediata, se considerados antidemocráticos, ou misóginos, homofóbicos, ou outros modismos. O pior é o rótulo “antidemocrático”: se o parâmetro for o batom de Débora na estátua da Justiça, pode resultar 14 anos de prisão. Estamos perdendo a preciosa utilidade da crítica, do contraponto, que nos ajuda a corrigir nossos erros e a conhecer mais o adversário. Por fim, não custa lembrar, já que a Ministra se referiu a “213 milhões de pequenos tiranos soberanos”: como seria bom se fôssemos, realmente, 213 milhões de soberanos. Porque, assim, cairíamos numa democracia, regime em que o povo é soberano.

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