O delegado Adriano Peralta Moraes, nomeado no início do Governo Pedro Taques para chefiar a Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, é considerado um homem sisudo e de respostas objetivas. Ele guarda também outras características peculiares e normalmente é o último a deixar o prédio no início da noite. Pelos corredores sai apagando as lâmpadas acesas no caminho. Dispensa o uso de motorista e seguranças, mas sempre mantém uma pistola na cintura e esconde carregadores de munições em diversos locais estratégicos. No banheiro de seu gabinete, no quarto andar, guarda uma carabina de repetição calibre 38 e duas caixas de munição. “Com todo o respeito aos especialistas em armas, mas em operação não dispenso a carabina 38 pela praticidade e precisão”, afirma.
Pragmático, sob sua presidência, as reuniões do Conselho Superior de Polícia terminam pontualmente até o meio dia. É econômico no uso de preposições e suas saudações são sempre objetivas em grupo de trabalho na rede social. Em sua gestão, os almoços de trabalho e recepção de convidados deixaram de acontecer em restaurantes requintados e foram transferidos para ambientes modestos e acolhedores (bolicho), valorizando a culinária regional, a exemplo, de galinhada ou peixada. A mesma simplicidade também foi adotada na concessão de medalhas do Mérito Policial. Na última entrega, ao invés de homenagear autoridades, preferiu contemplar à copeira que serve café no prédio da Diretoria Geral.
Depois de 19 meses, à frente da Diretoria Geral da Polícia Civil, Adriano Peralta, entrega nesta semana o cargo, com consciência do dever cumprido. Nesta entrevista, avalia sua gestão, faz ponderações e relembra pontos importantes de sua administração como delegado geral da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso.
1. Como foi a rotina de gerir a Polícia Judiciária Civil nesses 19 meses?
Peralta – Quem olha de fora pensa que o nosso maior desafio é o combate ao crime. Na verdade, o grande desafio é a gestão. Isso toma 70% de nossa energia. Combater a criminalidade é a parte mais fácil desse processo porque você programa operações específicas e ataca diretamente o foco (como fizemos em diversas vezes), mas gerir essa máquina com 3.300 servidores atuando nos 141 municípios é algo muito complexo. O chefe de polícia, seja ele civil ou militar, exerce um sacerdócio, é uma missão que requer prioridade na vida dele; é um cargo que exige muito, e onde tudo mais (família, lazer, saúde, projetos pessoais) é deixado para o segundo plano. A atividade policial tem características específicas como a ausência do tempo de resposta e a imprevisibilidade – você fica ligado nela 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem saber o que vai acontecer daqui a pouco, e tudo exige uma resposta imediata. Você vai com a esposa no cinema e o celular toca, com uma emergência onde tem que largar tudo e dar a solução imediata para o caso.Também não podemos esquecer que nesses 19 meses, atravessamos duas greves na instituição, sendo que a última delas foi uma greve geral cominada com uma onda de ataques criminosos que foram rapidamente contidos com as ações de inteligência.
2. Quais foram as inovações alcançadas pela Polícia Civil no quesito produtividade e no tempo de espera para registro de boletim de ocorrência ?
Peralta – Sem sombra de dúvida, tivemos várias inovações. Produzimos 23% a mais de procedimentos (inquéritos e termos circunstanciados) em 2015, comparado com 2014, trabalhando com o mesmo efetivo, apenas utilizando métodos de avaliação de produtividade e descentralização da gestão. Expandimos a plataforma da Delegacia Virtual de 4 tipos de registros para 10 tipos, além do pré-registro de qualquer tipo de ocorrência. Hoje, seguramente, é o sistema mais moderno e aperfeiçoado de todas as 27 unidades da federação. Vivemos num tempo onde todos têm acesso aos meios eletrônicos e o cidadão consegue utilizar o sistema de registro eletrônico de boletim de ocorrência de uma maneira fácil e de qualquer lugar. E efetivamente utiliza porque os números são impressionantes. Além disso, quebramos outro paradigma, unindo os sistemas de registro de ocorrências da PJC/MT e da PM/MT, transformando-os num único sistema e num único banco de dados. Havia uma forte resistência nisso (como ainda há em diversos estados da federação), e aqui em Mato Grosso chegamos ao óbvio consenso de que a união de forças e de informações fortalece ambas as instituições e principalmente a sociedade. Mesmo num tempo de crise e de parcos recursos, remodelamos a Central de Ocorrências da Prainha, prestando um serviço de excelência ao cidadão, com extrema rapidez no atendimento, 24 horas por dia, 7 dias por semana. O índice de reclamações no atendimento, que antes era alto, chegou a praticamente zero. Também dinamizamos as atividades de correição adotando o “termo de ajustamento de conduta”, como forma de desburocratizar os procedimentos de menor gravidade, e juntamos a Ouvidora e a Corregedoria num único lugar para tornar mais ágil e fácil o atendimento ao cidadão.
3. Como o senhor vê a relação institucional entre a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Ministério Público em Mato Grosso ?
Peralta – Obviamente, a Polícia Civil é uma instituição em conflito permanente com a Polícia Militar e o Ministério Público, em nível nacional. Isso é notório e ocorre por diversos fatores como conflitos de atribuições, PEC 37, culturas diferentes, etc. Mas aqui em Mato Grosso, eu costumo dizer aos colegas de outros estados que a gente vive num constante “cessar fogo”, e essas instituições convivem muito bem e de forma respeitosa e mais, trabalhando de forma integrada. Veja alguns exemplos: em Tangará da Serra o Ministério Público cedeu um prédio para a instalação da Delegacia Especializada da Defesa da Mulher. A PM emprestou munição para a PJC trabalhar em 2015 e a Academia da PJC está sendo utilizada para formação de militares. Quando aparecem arestas entre membros dessas instituições, os gestores entram em cena rapidamente e resolvem de forma harmoniosa.
4. Com relação ao número de homicídios, houve avanços no atual governo?
Peralta – Os avanços foram notórios e os números estão aí para comprovar. Saímos de uma curva ascendente que vinha até 2014, e tivemos 155 assassinatos a menos em 2015, e neste ano de 2016 os números continuam declinando. Eu atribuo grande parte desse sucesso à repressão qualificada e eficiente. Tivemos em 2015, duas edições da operação Sicários. Só na primeira dela, foram concluídos 385 inquéritos de homicídios num prazo recorde em todo o Estado. A Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP) modernizou sua estrutura e forma de atuação. Nesse primeiro semestre de 2016, a DHPP chegou ao índice de 85% de resolutividade, um dos mais altos do Brasil. Ainda no ano passado, realizamos ações pontuais em bairros como Pedregal e Pedra 90, e conseguimos baixar consideravelmente o índice de homicídios nesses locais. Além disso, tivemos a operação Mercenários, em que foi composta uma força-tarefa que funcionou por diversos meses e levou quase duas dezenas de homicidas à prisão em abril deste ano. Só essa operação foi responsável por reduzir o número de homicídios em Várzea Grande, de uma média de 20 ao mês, para 4 ao mês.
Outra medida simples e que deu excelente resultado foi à implantação da denúncia de homicídio via WhatsApp (65 99971-7976), que ajudou na elucidação de diversos casos. É importante salientar que o homicídio é o principal indicador de violência em qualquer parte do mundo. O Brasil vive numa região endêmica no tocante a esse crime; a América latina e o Caribe correspondem a apenas 8% da população mundial, mas são responsáveis por 33% dos homicídios no planeta; apenas três países: Brasil, Venezuela e Colômbia respondem por 25% dos assassinatos no mundo. Em apenas um ano, de 2014 para 2015, Cuiabá melhorou 6 posições no ranking das 50 cidades mais violentas do mundo, e certamente vai melhorar ainda mais com os números de 2016.
5. E na parte de estrutura e de pessoal, como está a Polícia Civil?
Peralta – No tocante a efetivo, tivemos o maior incremento da história na Polícia Civil. Foram 1.126 Investigadores e Escrivães incorporados à força em apenas 15 meses. Hoje temos um efetivo total de 3.330 servidores na PJC, ou seja, a cada 3 policiais civis, um entrou na instituição do ano passado para cá. Sem dúvida melhorou muito, mas ainda assim o quadro é aquém do necessário para atender todo o Estado, 24 horas por dia de portas abertas para a população, sem contar que os outros 2/3 é um efetivo já antigo, com uma alta programação de aposentadoria mês a mês.No tocante a efetivo, o maior problema da PJC é a falta de delegados que hoje é de apenas 234 e insuficientes para atender à demanda. Tivemos a perda de 15% do efetivo de delegado nos últimos 2 anos e mesmo assim estamos produzindo 23% a mais. Com relação à estrutura, nós evoluímos muito em armamento, munição e coletes – praticamente sanamos a necessidade da instituição nesses itens.Quanto à estrutura física, o grande problema é que as delegacias funcionam na quase totalidade, em prédios locados e inapropriados. Isso consome uma grande fatia do nosso orçamento com o pagamento de locações em contratos continuados. Mesmo cidades grandes e importantes como Sinop e Rondonópolis não projetaram a necessidade de delegacias e as unidades funcionam em prédios locados. Ainda assim, tivemos avanços importantes através de parcerias. Reformamos e modernizamos diversas unidades, como a Delegacia da Mulher Tangará da Serra, Delegacias de Sorriso, Gaúcha do Norte, Nova Mutum e Primavera do Leste. Além disso, o Conselho Superior de Polícia normatizou a padronização das unidades policiais, para que tenham o mesmo padrão visual em qualquer parte do Estado. No tocante às viaturas, também estão chegando veículos especiais e que melhor se adequam à rotina policial.
6. O que representa o GARRA para Mato Grosso?
Peralta – Infelizmente o crime tem se modernizado e as quadrilhas utilizam armamentos cada vez mais potentes, apenas como exemplo, tivemos os ataques às empresas de transportes de valores no estado de São Paulo neste ano. No Mato Grosso, conseguimos dominar a situação, pois há mais de um ano não temos ação do “Novo Cangaço”, nem ações semelhantes de grandes quadrilhas ou grupos armados, o que era comum também no roubo de defensivos agrícolas, gado, etc.Grandes operações como a desarticulação e prisões de membros do “Comando Vermelho” , a operação “Boi Bandido”, que matou o líder da maior quadrilha de roubo de gado e prendeu todos os seus integrantes, além de outras, foram importantes para pacificar o Estado, mas mesmo assim, face à nossa extensão territorial e à dificuldade de deslocamento de efetivo, o GARRA (Grupo Armado de Resposta Rápida) é essencial pois manterá oito grupamentos especializados espalhados no Estado, com utilização de viaturas especiais, armamento pesado, treinamento especial, etc. Temos que preparar o estado para a repressão qualificada e tática.
7. Sua gestão foi marcada pela adoção de medidas internamente impopulares como a aferição da produtividade individual, manifestação contrária ao requisito de bacharel em direito para os cargos de investigador e escrivão, aumento do tempo para o delegado chegar à classe especial. Como foi lidar com isso?
Peralta – É ilógico dirigir uma instituição com 3.330 servidores sem saber o que cada um produz. Isso existe em qualquer tipo de empresa e chegou até tardiamente na Polícia Civil. Com relação ao pré-requisito de ser bacharel em direito para prestar concurso para investigador e escrivão, seria uma medida que atenta contra o interesse público, pois não é necessário ser bacharel em direito para dirigir uma viatura, cuidar do prédio, entregar intimação, atuar num grupo tático, etc. Quanto ao aumento de 11 para 14 anos para o delegado chegar à classe especial é uma medida necessária, uma vez que o delegado que chega à classe especial, e, dificilmente, quer permanecer trabalhando no interior e necessitamos lotar profissionais em todo o Estado, inclusive em cidades distantes e de pouca infraestrutura.
Gestão é tomada de decisão. E essas decisões, comumente, desagradam mais do que agradam. Imagine um quadro onde temos 3.330 servidores, cada qual com sua pretensão e sua visão pessoal que conflita com as dos demais e com o interesse da instituição. Nessa hora o gestor tem que agir. Veja um exemplo que define o que é a tomada de decisão: em Tangará da Serra lá pelos idos de 2002, decidiram colocar uma estátua do Cristo Redentor na entrada da cidade, e que está lá até hoje; quando colocaram o Cristo de braços abertos recebendo as pessoas que chegavam, alguns moradores questionaram que o Cristo que seria para abençoar a cidade ficaria de costas para ela; virando o Cristo para a cidade ficaria uma imagem feia, onde o cidadão que adentra a zona urbana topa com as costas da estátua; aí entrou o gestor e tomou a decisão, o Cristo fica de frente para quem chega e o recebe de braços abertos; era impossível agradar a todos, atender uma pretensão significaria excluir outra.
8. Como senhor avalia as operações policiais realizadas no atual Governo?
Peralta – A Polícia Civil nunca trabalhou tanto como trabalhou em 2015/2016. Foi recorde de operações, recorde de prisões, recorde de conclusão de procedimentos, de apreensão de drogas, de desarticulação de quadrilhas, de apreensão de armas, de veículos recuperados, enfim, bateu todas as metas. Basta examinar o histórico dos sites de notícias que se observa a PJC em destaque todas as semanas no noticiário.Tivemos inúmeras operações, e passo a destacar apenas algumas delas:- Operação Karcharías de combate à corrupção que resultou em 229 inquéritos concluídos (135 pela Defaz e 94 em delegacias do interior) com 157 pessoas indiciadas e 62 prisões; Operação “Top Five” – que em 50 dias prendeu 2.325 pessoas, apreendeu 82 veículos, 133 armas de fogo e mais de 2 toneladas de entorpecentes; Operação “Actio Autoritatis”, que resultou na instauração de 202 inquéritos de entorpecentes e 57 prisões; Operação “Grená 2”, que cumpriu 267 ordens judiciais contra membros de facção criminosa no estado; Operação “Civil na Carga Máxima” – na minha opinião essas foram as operações mais exitosas, com o fechamento das unidades e a utilização de 100% do efetivo na rua e execução em curto espaço de tempo, ou seja, apenas 24 horas; na “Civil na Carga Máxima – fase 1” foram cumpridas 262 ordens judiciais, 408 pessoas foram presas, e apreensão de 3.264 munições, 71 armas de fogo, 78 veículos, 53 quilos de drogas e R$ 27.000,00 em espécie; na “Civil na Carga Máxima – fase 2”, em apenas 24 horas foram realizadas 495 prisões, 272 termos circunstanciados lavrados, e apreendidos 68 quilos de drogas, 83 armas de fogo, 1.600 munições, R$ 91.756,00, em espécie, além do bloqueio judicial de R$ 294.000,00. Na “Operação Canarana”, tivemos a maior apreensão de dinheiro em espécie da história, R$ 3.201.527,00 que foram todos revertidos para compra de equipamentos para a segurança pública. Ademais, é bom registrar que todos os crimes de repercussão foram solucionados.
9. Como está a Polícia Civil comparada às polícias dos demais estados?
Peralta – A Polícia Civil de Mato Grosso exerce papel de vanguarda em diversos aspectos. O nosso sistema GEIA de controle interno está sendo copiado por outros estados, como o de Rondônia. Nosso sistema de inteligência capacitou policiais de diversos estados da federação. Fomos o primeiro estado a regulamentar o banco de horas e a jornada em sobreaviso, cujas resoluções foram copiadas por outros estados como a Bahia. Tivemos participação efetiva na CPI do Tráfico de Armas da Câmara dos Deputados. Fomos o primeiro estado a disponibilizar as atas do Conselho Superior de Polícia na internet. Tivemos atuação histórica como à única Polícia Civil do Brasil a prender toda a cúpula do governo anterior por corrupção. A Polícia Civil de Mato Grosso hoje é uma instituição forte e respeitada dentro e fora do estado.
10. Qual o recado que o senhor deixa para aqueles que pretendem prestar concurso para a Polícia Civil ?
Peralta – Aqueles que tiverem vocação para a missão policial e acima de tudo, vocação para servir a sociedade e o estado de Mato Grosso encontrarão uma carreira e uma instituição gratificante. Aqueles que pretendem ter jornada fixa e não aceitam ser demandados fora de hora não se adaptarão. Atividade policial é difícil, porque exige muito sacrifício em favor da missão, deixando o convívio da família e amigos em aniversários, casamento, natal, ano novo, dia dos namorados, almoço de domingo, etc. Além disso, é preciso estar ciente de que a Polícia Civil se faz presente em todas as regiões do estado e o dever do servidor é trabalhar onde o interesse público demandar.
11. O que levou o senhor a pedir a exoneração do cargo de Delegado Geral da Polícia Civil?
Peralta – Na verdade é a corrida do bastão, a gente se esforça até a exaustão e chega a hora de passar o bastão para um novo corredor que entra com gás. Tive o privilégio de trabalhar com o Governador Pedro Taques, um homem íntegro e que entende muito de segurança, além de trabalhar com três grandes Secretários de Segurança, Dr. Mauro Zaque, Dr. Fábio Galindo e Dr. Rogers Jarbas, com todos eles tive a oportunidade de aprender muito. Agradeço, especialmente, a todos os nossos policiais e colaboradores que se esmeraram ao máximo para responder a todos os desafios. A minha missão era fazer a transição para a nova geração da polícia, e entregar uma instituição forte, com grande credibilidade e indispensável à sociedade. Creio que isso foi feito. Deixar a diretoria geral pela porta da frente e a consciência do dever cumprido é muito gratificante. Esses 19 meses foram muito intensos na minha vida e agora preciso recuperar a saúde e tentar perder os 12 quilos a mais que o cargo me proporcionou.