Uma ação conjunta das Secretarias de Estado de Meio Ambiente (Sema) e de Saúde (SES) realizada, esta semana, em Pontes e Lacerda (443 quilômetros de Cuiabá) vai avaliar a concentração de mercúrio na água que é distribuída à população. A solicitação partiu da Promotoria de Justiça do município e da Companhia de Água da cidade (CAB), tendo em vista a utilização do metal por garimpeiros que estavam lavando material extraído do garimpo ilegal perto das estações de captação. Além das análises, a equipe técnica também ministrou palestra para agentes de saúde da família e funcionários da CAB.
Conforme o coordenador de Monitoramento da Qualidade Ambiental, o químico Sérgio Batista Figueiredo, amostras de água foram retiradas na quarta-feira (11) ao longo dos cinco pontos do sistema de abastecimento da CAB e no rio Guaporé. Esse material foi levado ao Laboratório Central de Saúde Pública do Mato Grosso (Lacen), em Cuiabá, que reportará a investigação ao laboratório de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) Evandro Chagas, no Pará. O laudo conclusivo sairá em cerca de um mês. “Ainda que esta análise específica seja negativa, não podemos descartar danos ambientais e à saúde, já que o mercúrio pode se alojar no sedimento no fundo do rio e levar vários anos para demonstrar os primeiros sinais de contaminação”.
O mercúrio traz danos ambientais irreversíveis ao solo, à água e à ictiofauna dos rios, além de graves efeitos à saúde humana, como má formação fetal, danos cerebrais, problemas neurológicos e até a morte. O efeito é cumulativo por períodos de 30 a 40 anos, com sinais que podem levar de 10 a 20 anos para aparecer. Sérgio Figueiredo explica que já existem diversos estudos de impactos do uso de mercúrio em garimpos de Mato Grosso, realizados por pesquisadores de universidades públicas. Entre as regiões avaliadas estão em Poconé e Alta Floresta, que obtiveram a resultados alarmantes de contaminação de solo e também da ictiofauna.
Em Alta Floresta, por exemplo, os estudos constataram um fenômeno que se chama ‘biomagnificação’, que consiste no efeito cumulativo e progressivo de uma substância tóxica, neste caso de mercúrio, ao longo da cadeia alimentar. “O mercúrio se acumula nos sedimentos do rio, que contamina a água, as plantas e os peixes, que consequentemente é ingerido pelo ser humano, que também passa a acumular o metal tóxico.” O rio Teles Pires onde havia o garimpo em Alta Floresta, assim como o Guaporé, de Pontes e Lacerda, integra a Bacia Amazônica, e pode apresentar efeitos semelhantes.
Ao contrário de outras substâncias tóxicas, como pesticidas, o mercúrio se aloja na proteína animal e contamina todo o peixe, não sendo possível retirar uma parte dele na hora do preparo. A técnica da Coordenadoria de Vigilância Ambiental da SES, Vilma de Souza, que acompanhou o trabalho de coleta de amostras em Pontes e Lacerda, pontua que exposição a níveis elevados de mercúrio pode afetar o cérebro, o coração, os rins e pulmões e o sistema imunológico humano. São diversas as fontes de contaminação, incluindo o consumo de pescado e a exposição ocupacional. Pesquisas revelam que a exposição de mulheres grávidas a altos e constantes níveis pode ameaçar o sistema nervoso dos bebês, afetando a sua capacidade de aprendizado e cognição na infância. “É importante evitar situações como de Minamata, no Japão, onde muitas pessoas morreram devido ao lançamento dessa substância no mar”.
Para o promotor de Pontes e Lacerda, Paulo Alexandre Colucci, o atendimento da solicitação do Governo do Estado na análise da água, que foi agenda há cerca de um mês, é importante, já que pode ter existido lançamento indevido do produto químico na água. “Nós precisamos ter certeza de que estamos seguros, esta é uma demonstração de presença do Estado na nossa região”.