Há muita gente inquieta no Brasil. Mais inquieta ainda depois de concretizada a ameaça de nomear Guilherme Boulos ministro. Ninguém consegue responder como será o dia de amanhã, no país em que “até o passado é imprevisível”. Vai do rés-do-chão ao Supremo. Agricultores gravam, chorando, o mamão maduro que atiram ao chão, a manga madura que não vende, o arroz despejado diante do Banco do Brasil. No Supremo, se consomem copos e copos d’água para molhar a garganta em faces umedecidas de lágrimas, com emoções que chegam a bate-boca entre Gilmar e Fux. A inquietação também se revela no Palácio do Planalto, depois de Lula ter ouvido o relato de seu Ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, contando o que lhe disse Marco Rubio na reunião a sós em Washington. A reação química se desfez em fumaça e no dia seguinte ao relato de Vieira, Lula reagiu, de camisa vermelha numa plateia em São Bernardo do Campo: “nunca mais um presidente ousa falar grosso com o Brasil, porque a gente não vai aceitar”. A química produziu espuma de raiva.
No rés-do-chão, a inquietação ultrapassa as lágrimas e a raiva; 25 agricultores gaúchos renunciaram à vida, desesperados pelas dívidas impagáveis do plantar e colher. No alto da torre de marfim, o Ministro Barroso tampouco aguentou e desertou. Ao pé da torre de marfim, os nativos que estão inquietos talvez devessem começar se perguntando em quem votaram; outros, do alto, como o Ministro Barroso, que planeja ir para um retiro fazer meditação, poderiam analisar-se sobre o que têm feito. No Supremo, os oito que já não podem entrar nos Estados Unidos, sentiram o amargor do arbítrio. Só que no visto cancelado, é um arbítrio administrativo, da vontade legal e legítima da autoridade de um país; o que é diferente de arbítrio no Judiciário, que é inadmissível dentro do devido processo legal, em que um juiz deve ser neutro, isento; e tem que ser o juiz natural e não pode ter iniciativa de ação. A sanção veio de um país cujas leis são modelo de democracia, direitos humanos e liberdade de expressão. Aqui, temos uma Constituição com esses princípios e suficiente minuciosa para evitar interpretações que se opõem ao que está escrito. Uma Constituição para ser seguida ao pé-da-letra.
Na verdade, os nativos estão à beira de um ataque de nervos. O Presidente da República diz na cara do Presidente da Câmara de Deputados que “esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível que tem agora”. Nunca ouvi algo assim aqui em Brasília, o Presidente do Executivo censurar publicamente o mais importante dos poderes, que é o Congresso dos representantes do povo. Seguindo a conduta dos presidentes do Poder Legislativo, Hugo Mota apenas ouviu, passivo e inquieto. O legislativo ensaia reações, como aprovar urgência para o projeto de anistia, mas a urgência foi em 17 de setembro. Se fosse uma compra com entrega urgente, já estaria enquadrada na Delegacia do Consumidor.
Parece que estamos todos nos enganando, fingimos acreditar quando recebemos deslavadas mentiras. Repetidas na mídia, declarações mentirosas ganham um verniz que lhes dá reflexo, mas nunca se transformam em verdade. Testemunhamos condenações que não se baseiam em fatos, mas em ficções. Mas, pelo menos, sabemos. Os que nos mentem talvez não queiram sequer pensar que sabemos que mentem. Mas nos enganam e vamos engolindo sapos e pagando impostos para sustentar um estado que não nos retribui com bons serviços públicos. E, ao testemunhar tudo isso, vamos ficando inquietos como eles. O resultado é um país inquieto, que tinha tudo para deitar tranquilo neste berço esplêndido.