O júri popular do pedreiro Gilberto Rodrigues dos Anjos, pelos assassinatos de Cleci Calvi Cardoso, 45 anos, e das filhas dela, Miliane Calvi Cardoso, 19; Manuela Calvi Cardoso, 13, e Melissa Calvi Cardoso, 10 anos, está sendo realizado no fórum em Sorriso. A sessão iniciou por volta das 9h. Os crimes foram em novembro de 2023. O processo tramita em segredo de justiça, o réu acompanhou parcialmente o julgamento por videoconferência da Penitenciária Central do Estado em Cuiabá, onde está preso desde a época do crime.
A defesa também informou ao juiz que o réu não prestará depoimento. A sessão plenária foi suspensa, por volta de 12 horas, para almoço e retornou às 13h38.
Chegaram por volta das 8 horas o pai/esposo das vítimas, visivelmente emocionado, acompanhado do advogado Conrado Pavelski, que conversou com a imprensa. “Que o júri seja tranquilo, sem nenhuma intercorrência para evitar ser suspenso ou até mesmo interrompido. Esperamos que termine ainda na noite de hoje, no máximo na madrugada de hoje para amanhã. Em questão à condenação em si, as provas são muitos fortes e contundentes e demonstrarão que Gilberto cometeu todos aqueles atos que estão sendo imputados a ele, com todos os crimes de homicídio, com todas as qualificadoras causa de aumento de pena, todos os estupros de vulnerável estão demonstrados no processo. Então não há dúvida de que foi ele quem cometeu, ele até mesmo confessou. Hoje é só mais a questão da família e da sociedade terem uma resposta com relação à pena dele porque, de resto, está tudo muito bem demonstrado no processo”.
Conrado também falou sobre a decisão de Gilberto não estar presente no júri. “Infelizmente é um direito dele, enfim, triste, porque queríamos que ele visse o desprezo das pessoas com o que ele cometeu. Uma pessoa, pelo histórico dele, nem sinta. Não é possível que um ser humano, se é assim que pode ser chamado, tenha cometido tudo o que ele tenha cometido nesse caso”, acrescentou o advogado.
O juiz Rafael Panichella disse que a expectativa é de que o julgamento termine ainda hoje. “O processo correu com uma rapidez adequada. Hoje sai a resposta da sociedade em relação a esse julgamento. Então, a expectativa é que dentro do dia de hoje até a noite se finalize esse julgamento”.
O magistrado destaca ainda que o crime julgado hoje motivou a mudança na legislação (Lei 14.994/2024), tornando o feminicídio um crime autônomo e aumentando as penas para crimes cometidos contra mulheres em contexto de violência. Dentre as principais alterações na lei, está o aumento da pena de 20 anos de reclusão para 40 anos de reclusão. Porém, essa lei passou a valer apenas aos crimes que ocorreram posteriormente à sua vigência, não se aplicando ao caso julgado hoje.
Por volta das 8h51, foi formado o conselho de sentença. São quatro homens e três mulheres. Os sete jurados sorteados se comprometeram a seguir as regras de incomunicabilidade. Agora, eles terão um tempo para ler as informações do processo. Cada um dispõe de um notebook para isso. O magistrado passa as orientações pertinentes a eles.
O juiz Rafael Panichella iniciou a sessão plenária às 09h17. O réu Gilberto Rodrigues dos Anjos participa por videoconferência. A primeira testemunha, Regivaldo Batista Cardoso, familiar das vítimas, foi ouvida. Ele contou como ficou sabendo dos fatos e disse como eram as características de todas as suas filhas e de sua esposa, que era amorosa, inteligente, que cuidava muito bem das filhas. Sobre as filhas, conta que eram carinhosas, estudiosas. Por fim, ele pede que o réu receba a maior condenação possível e pague por tudo o que fez.
Por volta das 09h40 a segunda testemunha foi ouvida. Elinara Calvi, irmã e tia das vítimas. Ela falou também sobre o dia dos fatos e a relação da família. A testemunha detalhou sobre sua irmã, uma mulher trabalhadora, dedicada, protetora com as filhas. “As meninas nunca foram soltas em lugar nenhum, sempre foram protegidas. Sempre!”, relata. Ela conta ainda sobre a união que havia entre Cleci e sua família (mãe e irmãs). “Ela era perfeita para aquilo que ela se propunha a fazer, a vida inteira”, conta Elinara.
Quanto às meninas, a tia se emociona ao falar sobre elas. Conta como Miliane era estudiosa, cuidadosa com a avó, cheia de sonhos. Manuela, segundo ela, era uma menina que gostava de subir em árvores, andar de bicicleta, estudar. “Muito querida, muito amorosa sempre”. Melissa é destacada como “espoleta e esperta” pela tia. Também é apontada como estudiosa e apegada à avó materna. A tia conta que não teve coragem de entrar nos quartos das meninas, no momento em que descobriu o crime.
Após às 10 horas, o delegado da Polícia Civil, Bruno França, que foi o responsável pelo inquérito policial, passou a ser ouvido. França explicou o passo a passo da investigação e a rápida prisão do investigado, que estava trabalhando em uma obra ao lado. O delegado ressaltou que, desde o momento da prisão Gilberto não demonstrou arrependimento. No interrogatório, Gilberto contou o crime com “serenidade”, “como se estivesse contando uma pescaria” e com uma “tranquilidade assustadora”. Afirma ainda que a única tristeza percebida no réu era por ter sido preso.
Segundo o delegado, não houve somente premeditação por parte de Gilberto, mas que, depois, ele atuou para que o crime não fosse descoberto, se referindo ao fato do choro da vítima mais nova ter chamado atenção do réu e, para que outras pessoas não ouvissem, ele assassinou a vítima de 10 anos.
Em seguida, foram ouvidos os investigadores Willian Krisman Silva Souza e Márcio Coutinho Scardua, que atuaram no caso. Ambos relataram detalhes da dinâmica do crime e todos os vestígios encontrados.
No final da manhã, a última testemunha que estava prevista para ser ouvida foi dispensada.
Já no início da tarde, o promotor de justiça Luiz Fernando Rossi Pipino iniciou a acusação. Ele tem 1h30. Logo no início, ele se dirigiu à família e, especialmente, ao viúvo e pai das vítimas e à mãe e avó das vítimas, dizendo que são sobreviventes e manifestando palavras de apoio e promessa de justiça. “O grito de justiça há de prevalecer”, disse o promotor.
O promotor inicia sua argumentação, afirmando que “hoje é uma guerra do bem contra o mal” e começa a falar do histórico do réu, a quem chama de “monstro de Sorriso” em uma tela exibida no telão, onde aparece também a foto do réu Gilberto Rodrigues dos Anjos no momento em que foi preso em flagrante.
Segundo o promotor, houve a premeditação do crime por parte de Gilberto, conforme já verbalizado pelas testemunhas, o que se conclui com a apuração de que ele observou as vítimas, planejou com paciência. “O réu monitorou a rotina da família (mulheres, horários, etc), estudou a residência (rota de entrada, desvio dos cães bravos, etc) e executou o plano diabólico com frieza e precisão”, manifestou na apresentação em power point. Verbalmente, ele reforçou essa tese, dizendo que o réu esperou até mesmo as luzes da casa se apagarem para cometer os crimes “com requintes de perversidade e crueldade”.
O promotor relata que foi na cozinha que a vítima Cleci se deparou com o criminoso. O promotor fala sobre a forma como ela lutou bravamente pela vida, suportando “muita dor e sofrimento”. Ela teria tentado abrir a porta para que os cães entrassem ou que vizinhos pudessem ouvir os pedidos de socorro. Conforme o promotor, as duas filhas mais velhas entraram na cena para ajudar a mãe, sem conseguir lutar contra o criminoso, elas correram para a suíte da casa, mas foram alcançadas e vitimadas.
Ainda segundo a acusação, as jovens ainda tentaram fugir pela janela do quarto, mas não conseguiram, pois já estavam feridas. Ao relatar os crimes, o membro do MPE afirma que Gilberto agiu como todo feminicida age, no intuito de obter o domínio, por ódio e desprezo às mulheres.
O promotor afirma que o atos criminosos foram uma “brutalidade fora do comum” e que “esta conduta revela a crueldade que os senhores vão julgar”, disse aos jurados. Ele mostrou imagens da casa, exames necroscópicos, além de reforçar as qualificadoras dos crimes contra menores e outros. Por volta das 15h08, Luiz Fernando Rossi concluiu sua acusação.
O júri foi pausado e retomado às 15h26. O defensor público Ewerton Nóbrega iniciou destacando que cada instituição do sistema de Justiça tem seu papel e o executado com muito respeito às famílias das vítimas. O defensor explica que os crimes contra a vida são de competência do júri popular e que, antes disso, várias etapas são necessárias para que o julgamento ocorra conforme a lei. “A defesa atuou aqui seguindo a lei. Quero que vocês compreendam isso. São fases para que se chegue a um julgamento hoje de forma correta”, disse o defensor Ewerton Nóbrega.
“Neste julgamento eu não tenho vaidade de competir. Estou aqui apenas para garantir um julgamento justo”, afirma o defensor. Ele diz ainda que a toga usada pelos jurados não representa a vontade própria, mas que o julgamento se dá conforme as provas do direito.
O defensor afirma que foram muitos crimes, que os trabalhos da polícia e da perícia foram muito técnicos. “Por decência, eu não peço a pena mínima, por respeito à população de Sorriso”, diz. Aponta ainda que após estudar diligentemente os autos e de ouvir as provas colhidas em plenário, vê como inconteste a autoria e a materialidade dos fatos, bem como as qualificadoras.
A defesa pediu aos jurados que avaliem dois pontos que afirma serem inconclusivos, como a palavra do réu, que, segundo ele, por ora foi considerada e ora desconsiderada. “Pode ser que ele tenha falado certas coisas de forma generalista”, diz em relação à quais vítimas violentadas estavam vivas ou não no momento dos crimes sexuais. O defensor também divergiu dos três crimes sexuais, sugerindo aos jurados que o crime ocorrido foi vilipêndio ao cadáver, crime cuja pena é consideravelmente menor. Ele afirma que não há prova técnica dos estupros, a não ser que se considere apenas a palavra do réu. O defensor finalizou sua argumentação às 15h47.
Em seguida, o assistente de acusação, o advogado Conrado Pavelski Neto, iniciou as argumentações. O advogado afirma ser necessário rebater a questão do vilipêndio de cadáver levantada pela defesa. Segundo ele, na delegacia, o réu confessou que todas as vítimas “se contorciam” durante os estupros, o que seria a prova de que todas estavam vivas. Ele mostrou trecho do depoimento gravado do réu, realizado na delegacia, quando foi preso em flagrante.
Ele diz que está nas mãos dos jurados decidir sobre a condenação dele, pois “está tudo comprovado”.
O promotor de justiça complementa a réplica da acusação. Ele reclama que inicialmente a defesa disse que sequer a denúncia dele era válida e que pediu inclusive o desaforamento, tentando impedir que a sociedade de Sorriso julgasse o caso, que aconteceu na cidade. Ele diz que pelo menos a defesa concordou com a maior parte da denúncia e argumenta que, se a defesa concordasse com 100% da acusação, o juiz teria que desfazer o júri e suspender o caso para que outra defesa fosse chamada pois não é válido o processo em que a defesa não possui tese de defesa.
A acusação explica aos jurados que a defesa técnica jamais vai concordar integralmente com o Ministério Público, ainda que admita que o MP tem razão. “Eles não podem admitir isso pois o réu se torna indefeso e anula-se o processo”, ressalta. “A defesa técnica é um direito irrenunciável, tem que ter alguma discordância”, ressalta. O promotor reafirma que o vilipêndio de cadáver se dá quando o criminoso vai atrás de algum corpo já morto, em um cemitério, por exemplo. “Quem é que ele monitorava? A vida de quem? Os passos de quem? Aquele lar, aquela mulher, aquelas meninas”, diz.
Ao pai e marido das vítimas, o promotor diz que lhe tiraram tudo, mas pediu que a família continue esperando a justiça, que irá acontecer hoje. Ele prestou uma homenagem à família, mostrando um vídeo emocionante das meninas Melissa e Manuela falando palavras de amor à mãe Cleci. Porém, o vídeo é seguido por imagens da repercussão do crime, com fotos da perícia e prints de reportagens da imprensa nacional.
No telão, também foi exibido um vídeo das meninas Manuela e Melissa cantando um hino em uma igreja, imagens de recordações de momentos felizes da família, como aniversários, fotos com o pai, entre outros momentos que mostram como aquela família era feliz. “O réu apagou cada estrelinha daquela casa”, disse.
O promotor Luis Fernando Rossi Pipino diz aos jurados que “há coisas que nem todas as palavras do mundo conseguem explicar, há dores que não cabem em um laudo, há crimes que ultrapassam a frieza da lei. E o que aconteceu naquela casa, naquela fatídica noite foi exatamente isso, foi uma tragédia devastadora, em que o mal subiu do inferno e apagou quatro vidas, quatro destinos que haviam sido entrelaçados pelo amor”. Ele segue proferindo seu discurso aos jurados.
Ahs 17h12, o juiz perguntou aos jurados se estão prontos para os debates e pediu a todos os demais que se retirem do plenário para que comece a fase de debates pelo Conselho de Sentença. As portas do plenário foram trancadas, posteriormente.
Crime
Gilberto foi preso em flagrante na mesma manhã em que foram encontrados os corpos das vítimas. Ele trabalhava em uma obra próxima à residência da família e observou as vítimas antes de cometer os crimes. Ele invadiu a casa na sexta-feira à noite, 24 de novembro, e quando foi confrontado pela mãe, que tentou defender a família, matou Cleci e depois as três filhas dela, cometendo em seguida o estupro contra três das quatro vítimas. Com o criminoso, a Polícia Civil encontrou uma peça íntima de uma das vítimas.
Outras condenações
Em maio deste ano, Gilberto foi condenado a 17 anos pelo homicídio do jornalista Osni Mendes Araújo. O crime ocorreu em 2013 em Mineiros, na região sudoeste de Goiás.
Outra recente condenação do réu foi em março deste ano. Gilberto sofreu uma condenação de 22 anos por crimes cometidos contra outra mulher dois meses antes da chacina. A decisão foi tomada pelo Tribunal do Júri da Comarca de Lucas do Rio Verde. O crime ocorreu em setembro de 2023, em Lucas do Rio Verde, dois meses antes da chacina em Sorriso. Na ocasião, invadiu a casa de uma mulher e a estuprou mediante violência e grave ameaça. Em seguida, tentou matá-la para evitar que fosse denunciado, mas a vítima reagiu e conseguiu impedir o assassinato. A mãe da vítima foi agredida com socos no rosto ao tentar socorrer a filha. Após os gritos por ajuda, Gilberto fugiu do local.
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