A Justiça do Trabalho condenou o frigorífico BRF em Lucas do Rio Verde, após uma trabalhadora venezuelana entrar em trabalho de parto e perder as filhas gêmeas na portaria da empresa durante o expediente. A multinacional foi condenada por omissão e negligência. A sentença da 2ª Vara do Trabalho de Lucas do Rio Verde determinou que a empresa pague R$ 150 mil de indenização pelos danos morais, além das verbas rescisórias, após reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho.
O caso aconteceu em abril do ano passado, quando a trabalhadora, grávida de oito meses, começou a se sentir mal no início da jornada, às 3h40. Com dores intensas, ânsia de vômito, tontura e falta de ar, ela buscou socorro junto à sua líder imediata e ao supervisor. Mesmo após insistentes pedidos, foi impedida de deixar o setor devido ao funcionamento da linha de produção.
Pouco depois, com o agravamento do quadro, dirigiu-se ao supervisor pela última vez e, sem conseguir esperar mais, deixou a linha de trabalho. Sentou-se em um banco no ponto de ônibus na entrada da empresa, à espera de condução para ir ao médico. No entanto, já estava em trabalho de parto: sua primeira filha nasceu na portaria da empresa, por volta das 6h30, e faleceu em seguida. Minutos depois, o mesmo ocorreu com a segunda gêmea.
O frigorífico alegou que o parto ocorreu fora de suas instalações, em área pública. Também afirmou que a trabalhadora recusou atendimento pelo setor médico da empresa e que não havia registro de gravidez de risco. Sustentou ainda que a negligência foi da própria empregada, argumentando que trabalho de parto dura entre 8 e 12 horas.
Testemunhas relataram que a gestante buscou apoio de colegas e chefes imediatos, mas não teve acesso ao Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, conforme prevê a normativa interna da empresa. O enfermeiro responsável pela área médica confirmou que o protocolo de atendimento não foi seguido. Depoimento da representante do frigorífico também confirmou que nem o líder, o supervisor e nem a secretária entraram em contato com o serviço médico, apesar de haver norma da empresa para casos de incidentes.
Ao julgar o caso, o juiz Fernando Galisteu afirmou não ser crível supor que a trabalhadora “nas condições debilitadas em que estava, e no oitavo mês de gestação de gêmeas, se negaria a ir ao centro médico da ré, como pretende a defesa”, complementando que no depoimento ela reafirmou ter pedido atendimento médico.
Também contrariando a defesa, a técnica de saúde que atuava no frigorífico no dia do ocorrido afirmou na audiência que “não recebeu nenhuma ligação da portaria para ser informada sobre a situação” e o enfermeiro da empresa relatou que no prontuário da trabalhadora consta o exame admissional e outros resultados de consultas de saúde. Porém, a empresa juntou ao processo apenas o exame admissional, alegando que não constavam no serviço médico, exames ou atendimentos relativos à gestação da empregada.
As gravações das câmeras internas da empresa, juntadas ao processo pela própria defesa, mostram, segundo a Justiça do Trabalho, que o parto ocorreu nas dependências do frigorífico. A representante da empresa confirmou em depoimento que a técnica de enfermagem acompanhou a funcionária na ambulância e que a médica do trabalho foi chamada posteriormente ao hospital para prestar atendimento.
“A autora pediu ajuda. Estava em sofrimento evidente e no oitavo mês de gestação de gêmeas”, pontuou o juiz Fernando Galisteu na sentença. Ele concluiu que a empresa agiu com omissão e negligência ao não garantir atendimento médico com a necessária celeridade.
O juiz salientou, ainda que mesmo se considerada a informação apresentada pela empresa de que o trabalho de parto teria demorado 3 horas, ainda assim houve tempo suficiente para disponibilizar atendimento médico adequado, o que não ocorreu.
Por fim, o juiz reconheceu que a omissão da empresa tornou insustentável a manutenção do vínculo empregatício, caracterizando a rescisão indireta do contrato. Com isso, a trabalhadora terá direito ao pagamento de aviso-prévio, 13º salário, férias, FGTS com multa de 40% e acesso ao seguro-desemprego.
O juiz rejeitou a tese da empresa que apontou abandono de emprego da trabalhadora após o período de licença-maternidade. “A grave e injustificável omissão da ré é suficiente para tornar insuportável a manutenção do vínculo, caracterizando a justa causa patronal”, concluiu.
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