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O caso dos remédios vencidos

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Em 2000, quando escrevi meu primeiro livro – Controle do Patrimônio Ambiental brasileiro, apresentei como hipótese de ato antieconômico de gestão, a ser penalizado pelo Tribunal de Contas, a aquisição de lotes de vacinas com reduzido prazo de validade, de tal modo que não fosse possível aplicá-las na sua totalidade. Posteriormente, desenvolvi o tema em numerosos cursos de pós-graduação e no meu livro Controle Externo – Teoria e Jurisprudência para os Tribunais de Contas.

Quinze anos depois, a imprensa nacional noticia a 'descoberta' no almoxarifado da prefeitura de um importante município do Centro-Oeste brasileiro de várias toneladas de medicamentos com prazos de validade vencidos e, portanto, imprestáveis. É como se a boa teoria fosse confirmada pela prática da má gestão ou como se a desordem administrativa da vida real engendrasse irregularidades maiores e mais graves que as piores ficções imaginadas na esfera acadêmica.

Na sala de aula, o exemplo surgiu para diferenciar os três critérios que a Constituição estabelece que os Tribunais de Contas devem utilizar no julgamento dos atos de gestão: legalidade, legitimidade e economicidade. Embora muito próximos, tais critérios são distintos e devem ser objeto de avaliação específica, de modo a cumprir o mandamento constitucional para a atuação das Cortes de Contas. Assim, determinado ato de gestão pode ser considerado legal, com a sua aquisição observando as leis orçamentárias e de licitações; legítimo, pois a sua finalidade é o atendimento do interesse público e a concretização de um direito social; mas, ao mesmo tempo, antieconômico, quando algum vício impede que o objeto pretendido seja alcançado, tornando aquela despesa excessiva, desnecessária ou inútil.

Na hipótese das vacinas, a despesa seria excessiva se constatado sobrepreço ou superfaturamento; desnecessária se a aquisição, ainda que por preços de mercado ou razoáveis, fosse em quantidade superior à demanda – por exemplo, 10 mil unidades para uma população de 5 mil indivíduos – ou em momento impróprio, próximo ao limite de validade do bem; ou ainda inútil, quando incompleta ou parcial – por exemplo, a compra de vacinas desacompanhadas dos protetores térmicos necessários para o seu acondicionamento apropriado – resultando na inexecução total ou parcial do resultado almejado.

Só um trabalho de auditoria específico poderá apontar as circunstâncias, os valores e as responsabilidades do caso concreto recentemente noticiado pela imprensa. Todavia, em tese, a presença de significativo volume de medicamentos com prazo de validade vencido indica a ocorrência de graves falhas de planejamento e/ou de gestão. A compra de remédios, ou de quaisquer outros bens com validade limitada, deve obedecer a um planejamento compatível com a necessidade de uso e a capacidade de distribuição. De outro lado, o armazenamento dos bens e a gestão dos estoques exigem cuidados para que não se deteriorem precocemente e estejam disponíveis quando necessários. Quando os controles internos administrativos funcionam adequadamente muitos problemas podem ser evitados ou detectados a tempo de serem corrigidos. Quando não funcionam, compra-se mal, caro, em demasia e sequer se alcança a finalidade desejada.

De qualquer modo, o cidadão que contempla a imagem de caixas e mais caixas de remédios que viraram lixo não tem dúvidas de que houve grande desperdício de recursos públicos na área da saúde. Infelizmente, a hipótese teórica formulada há tempos foi concretizada e maximizada pela incompetência e pelo descaso. Espera-se que esse triste episódio possa servir de alerta para prevenir outros casos e reforçar a importância do controle e atuar não apenas sob a ótica da legalidade, mas também da legitimidade e economicidade.

Luiz Henrique Lima – auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT – Graduado em Ciências Econômicas, Especialização em Finanças Corporativas, Mestrado e Doutorado em Planejamento Ambiental, Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia

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